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sábado, 24 de abril de 2021

LIVRO: "Uma História da Leitura"



LIVRO: “Uma História da Leitura”, 
de Alberto Manguel
Texto original | “A History of Reading”, 2020
Tradução | Rita Almeida Simões
Ed. Edições Tinta-da-china, Novembro de 2020


“Sabemos que lemos, mesmo quando aceitamos suspender a descrença; sabemos porque é que lemos, mesmo quando não sabemos como, conscientes ao mesmo tempo do texto ilusório e do acto da leitura. Lemos para conhecer o fim, por consideração à história. Lemos, não para chegar ao fim, mas pelo prazer da própria leitura. Lemos com absoluta atenção, quais caçadores em busca de pegadas, alheios ao que nos rodeia. Lemos distraidamente, saltando páginas. Lemos com desprezo, admiração, negligência, fúria, paixão, inveja, anseio. Lemos em lufadas de prazer súbito, sem saber o que provocou esse prazer.”

É-me impossível dizer algo sobre “Uma História da Leitura” sem referir “O Infinito Num Junco”, essa outra história dos livros e da leitura da autoria de Irene Vallejo, lida nos primeiros dias do mês passado. Ambos coincidem em argumentos, elementos, referências, dados, factos e histórias. Ambos exaltam os primórdios do livro e da escrita, fazendo notar a sua evolução até aos nossos dias. Ambos têm como fim último o leitor, razão de ser do livro, seu fiel depositário e intransigente guardião. Mas se ambas as obras coincidem em termos de conteúdo, já de um ponto de vista formal estão muito longe uma da outra: Aquilo que em Irene Vallejo é deliciosa fluidez, o ensaio transformado num quase romance, em Alberto Manguel é convenção e academismo, capítulos deliciosamente vivos alternando com outros marcadamente herméticos e de interesse discutível, reflectindo-se numa leitura feita de comprometedores altos e baixos.

Da leitura em voz alta aos livros silenciosos, aos livros de imagens ou àqueles guardados na memória para escapar às perseguições, passando pelo saber ler ou pelo saber ouvir ler, pelo leitor simbólico, pelo autor como leitor ou pelo tradutor como leitor, “Uma História da Leitura” está aqui para nos mostrar o quanto de poder e de magia existe nos livros. Ao longo das suas páginas, percebemos o quanto o amor e a dor surgem de mãos dadas desde o preciso momento em que a pena cai sobre a folha até ao fechar da última página: A elevada posição social do escriba mas também a penosidade do seu trabalho, os livros ciosamente guardados mas também as purgas ideológicas que levaram à destruição de milhares e milhares de livros em múltiplas ocasiões, o livro como fonte de descoberta mas também, por isso mesmo, proibida a sua leitura para preservar as supremacias ideológicas, de género ou de raça. E os exemplos sucedem-se.

Complementando os vários capítulos com um conjunto de imagens que ilustram as ideias expressas, Alberto Manguel mostra-nos também a articulação da literatura com as demais artes. Cadernos escolares, páginas de jornais, fotografias, desenhos, gravuras, frescos, iluminuras, pinturas, baixos relevos, máquinas de leitura e um sem número de artefactos dão-nos conta do exercício da leitura e da escrita em mosteiros, universidades, clubes de leitura, locais de trabalho, na rua ou no interior das casas. Escrito num estilo acessível mas erudito, rico em informações mas também em reflexões, “Uma História da Leitura” é, ao mesmo tempo, a história dos leitores comuns, daquelas pessoas que, “ao longo das eras, preferiram certos livros a outros, aceitaram nalguns casos o veredicto dos mais velhos, mas noutras ocasiões resgataram do passado títulos esquecidos, ou arrumaram nas prateleiras das suas bibliotecas os eleitos dos seus contemporâneos. Esta é a história das suas vitórias e dos seus sofrimentos secretos, e da maneira como essas coisas se passaram”. Esta é também a história de cada um de nós, leitores.

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