Páginas

quarta-feira, 28 de abril de 2021

TERTÚLIA LITERÁRIA: "Conversas às 5" | João Luís Barreto Guimarães


[Clicar na imagem para ver mais fotos]

TERTÚLIA LITERÁRIA: “Conversas às 5”,
com João Luís Barreto Guimarães
Auditório Doutor Correia de Campos | Centro de Reabilitação do Norte, Valadares
27 Abr 2021 | ter | 17:00


“Uma conversa sobre poesia entre dois leitores. Nada mais do que isso.” Estava dado o mote para a sessão inaugural das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”, iniciativa de um grupo de colaboradores do Centro de Reabilitação do Norte e prontamente acarinhada pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho. Cumprindo as regras do distanciamento social, o Auditório do CRN esgotou a sua lotação ao acolher meia centena de profissionais de saúde ávidos de escutar o primeiro convidado destas “Conversas”, o poeta e cirurgião plástico João Luís Barreto Guimarães. Fazendo fluir as ideias a um ritmo vertiginoso, João Guimarães ofereceu aos presentes a sua acutilante visão sobre o mundo em que vivemos e a forma como gravitamos em torno uns dos outros, explicando e consubstanciando a extraordinária capacidade de pôr as suas ideias, por palavras simples, em forma de poesia. Grande comunicador, dotado de um sentido de humor muito fino, fez ainda questão de ler alguns dos seus poemas, a ele se juntando outra ilustre convidada, a poeta Aurora Gaia, e ainda um grupo de colaboradores do CRN que, no seu todo, transformaram aquele final de tarde num momento de saber, partilha e emoção deveras único.

Publicado na juventude do poeta, “Há Violinos na Tribo” (1989) é o seu primeiro livro e traz-nos um poema no qual a ideia-chave é a de que “sempre temos alguma coisa a saber uns dos outros”. Nesta busca de perceber os outros e, finalmente, de se perceber a si mesmo, João Luís Barreto Guimarães mostrou-nos quão grande é o peso da família na sua vida e de que forma é que isso surge plasmado na sua poesia – “A Parte Pelo Todo”, livro publicado em 2009, é peça importante no processo de luto pela morte do seu pai, por exemplo. Mas as revelações não se ficaram por aqui, abarcando a sua paixão por viagens, bem como a sua atenção às coisas aparentemente sem importância – uma chávena esquinada, um vaso esbotenado, uma chapa de matrícula à qual falta uma letra, um disco riscado. Também aos cafés como lugares de excelência para se escrever poesia – “Lugares Comuns” (2000) foi escrito à mesa de um café ao longo de um ano. Ainda ao “pérfido, sonso e mesquinho” que há em cada sr. Lopes que de quando em vez se atravessa no nosso caminho. E, claro está, à profissão, curiosamente pouco ventilada nos seus poemas: “Não escrevo muitos poemas sobre a Medicina e sobre a profissão, mas escrevo imensos poemas sobre os colegas; eles não sabem, mas eu escrevo”, disse, arrancando uma saborosa gargalhada à plateia.

Outra parte importante da conversa correu em torno da sua poesia, “uma poesia que mostra ao que vem”. João Guimarães vincou de forma clara que não perde a oportunidade de dar a ver ao leitor a “oficina do poema”, esse constructo que nasce não se sabe muito bem como, ou de onde, mas que depois vai ganhando forma como um quadro a surgir na tela ou uma escultura a nascer do bronze ou do granito. E, assim, falou do valor daquilo que, parecendo ausente, está no poema com todo o vigor e certeza. Como falou da expectativa de rima ou de métrica e da “rebeldia” da sua ausência. Da linguagem quotidiana ao serviço do poema ou de como, citando a poeta norte-americana Marianne Moore, “a poesia contemporânea deveria ser escrita com uma linguagem que cães e gatos pudessem entender”. Do “flirt” que os poemas estabelecem com o leitor, não pela via da sensibilidade e do sentimento, mas pela via da ironia, do raciocínio e da crítica. Da inteligência, em suma.

As palavras são como as cerejas e a conversa foi transcorrendo de forma absolutamente deliciosa, não se dando pelo tempo passar. Por lá se ouviu falar de Egito Gonçalves e Eugénio de Andrade, Manuel António Pina e Alexandre O’Neill, Cesário Verde e Bernardo Soares. De Wisława Szymborska e Czesław Miłosz. Do Norinho e outros gatos. Por lá passou o novo acordo ortográfico – “uma estupidez” -, assim como o carácter conversacional desta poesia em busca dos leitores da prosa. Por lá passou, de forma muito particular, o livro “Movimento”, publicado em finais do ano passado, numa altura em que, paradoxalmente, fomos obrigados a confinar, a parar. Foi fascinante, entre outras, escutar as explicações de João Guimarães sobre uma certa ideia abstracta que relaciona os deuses da mitologia com cada um dos dias da semana, culminando na celebração do movimento da vida e do aspecto mais cíclico do tempo. Do público vieram questões muito pertinentes, ora relacionadas com o desafio de ministrar uma cadeira de literatura para alunos de medicina, ora pretendendo perceber o valor acrescido da poesia na profissão e vice-versa (ou ainda o porquê de levar uma faca para o trabalho).

Uma particularmente concorrida sessão de autógrafos pôs um ponto final numa tarde memorável e, apesar das máscaras, nos olhos de todos podia ler-se o brilho da felicidade. Para o próximo dia 22 de Junho está já agendada a segunda sessão das Tertúlias, a qual terá a escritora Sandra Barão Nobre como convidada. O seu projecto “Acordo Fotográfico” e o livro “Uma Volta ao Mundo com Leitores” (Ed. Relógio de Água, Maio de 2017) serão dois grandes assuntos de conversa. O outro assunto abordará a Biblioterapia, “porque os livros curam”. Complementarmente, ao longo de todo o mês de Junho, as áreas da Consulta Externa do Centro de Reabilitação do Norte receberão o “Acordo Fotográfico”, uma exposição de fotografia composta por 60 sugestivas imagens que complementam o livro. Até lá!

[Fotos gentilmente cedidas por António Jamba]

Sem comentários:

Enviar um comentário