LIVRO: “O Senhor Ventura”,
de Miguel Torga
Ed. Publicações Dom Quixote, 1999
Colecção Mil Folhas Público, Março de 2003
“Mas os outros eram mais e batiam-se como desesperados, que ou triunfavam, ou não tinham salvação. Traziam aquela audácia que o senhor Ventura conhecera já, nos tempos em que também ele tinha tudo a ganhar e nada a perder de uma refrega. Eram um jogo no futuro, enquanto o alentejano e os companheiros eram somente uma defesa do passado. E, por isso, acabaram por levar a melhor. Entraram, mataram, saquearam, incendiaram, e só por milagre o senhor Ventura conseguiu salvar-se na escuridão, com o corpo do Pereira às costas, a gemer, ferido de morte por uma bala que lhe atravessara o peito.”
Em busca de paralelismos, acorre-me de imediato à ideia a “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto, essa obra maior da nossa literatura. Mas se a gesta dos Descobrimentos parece fonte de inspiração óbvia para o autor, o facto de ter emigrado para o Brasil com a idade de 13 anos e de ter trabalhado durante cinco anos na fazenda de um tio, no Estado de Minas Gerais, terá sido determinante na feitura da obra. Creio poder encontrar-se aí a base deste “O Senhor Ventura”, a história de um homem que deixa o seu Alentejo natal para abraçar mil e uma aventuras por terras do Oriente, antes de nova passagem por Portugal e do regresso definitivo à China onde viria a morrer.
No confronto directo com obras como “Os Bichos”, “Contos da Montanha”, “Novos Contos da Montanha” ou os seis volumes de “A Criação do Mundo”, “O Senhor Ventura” sai claramente a perder. Apesar dos “retoques”, nele é perceptível a urgência de contar uma história, mais do que a ambição de primar por uma boa história. Não que esta seja uma má história, longe disso. Nela abundam momentos de acção bem urdidos, lutas sanguinárias entre bons e maus, mistério e sedução, as grandes paisagens e, claro, o vermelho das paixões. Lida à distância, nela encontramos novos ciclos da velha História, o boom da emigração para França ou a aventura colonialista à cabeça. Falta-lhe, porém, uma ligação forte e consistente entre o todo, algo que torne a história convincente. Não sendo pouco, resumido a um mero momento de diversão “O Senhor Ventura” sabe a pouco.
Sem comentários:
Enviar um comentário