CONCERTO: Paulo Bandeira Trio convida Camané
EstarreJazz 2020
Cine-Teatro de Estarreja
09 Out 2020 | sex | 21:30
Harmonizar. Instalada no nosso quotidiano, a palavra quer dizer, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, “conciliar”, “fazer concordar”, “estabelecer harmonia entre”. Qualquer um destes significados deveria ser precedido da palavra “arte”. Pelo menos no meu entender e, quero crer, no de todos quantos, na noite de ontem, tiveram o privilégio de assistir ao concerto do Paulo Bandeira Trio com um convidado de luxo, Camané, no Cine-Teatro de Estarreja. De um lado, a excelência do piano de Paulo Esteves da Silva, do contrabaixo de Nélson Cascais e da bateria de Paulo Bandeira; do outro, a voz superlativa de Camané. Um concerto que resultou na harmonização perfeita entre o Jazz e o Fado, na demonstração do quanto a sua substância essencialmente visceral se mistura e confunde, no que de sujeito e complemento há de comum a ambos. O único senão foi mesmo o tempo do concerto, a sua duração, escassa hora e meia que pareceu não mais do que meia hora.
Abrindo o último de dois fins de semana do EstarreJazz 2020, o concerto teve duas partes distintas, a primeira das quais viu subirem ao palco apenas os músicos do agrupamento de Paulo Bandeira. Homenageando Bernardo Sasseti, que este ano sopraria cinquenta velas caso estivesse ainda entre nós, o Trio começou por interpretar “O Outro Lado”, “Olhar” e “Quando Volta o Encanto”, três temas belíssimos do malogrado compositor, com muito de intimismo, que caminham nessa faixa indistinta onde se juntam a matriz jazzística de Sasseti e a alma do ser português que a todos une e se expressa numa “congénita” tristeza e melancolia. Na mesma linha, ouviu-se também Kenny Wheeler e esse delicado “Everybody’s Song But My Own”, para depois viajarmos por outras áreas, com temas de Paulo Bandeira, nomeadamente um inspirado “Remix”.
Cinquenta minutos decorridos desde o início do concerto, Camané junta-se ao Trio em ambiente de enorme expectativa. Talvez não tanto pela curiosidade em perceber como resultaria, em palco, essa harmonização do Fado com o Jazz (as indicações dadas pelo trio deixavam antever um grande momento), mas sobretudo pela possibilidade de perceber as diferenças do piano de João Esteves da Silva para o de Mário Laginha que, ao lado de Camané, vem registando um enorme sucesso com o trabalho “Aqui Está-se Sossegado”. O resultado não deixa de ser surpreendente, o pianista a revelar-se excepcional nos arranjos e no acompanhamento, todo ele contenção e subtileza. Foi assim em “Quadras”, que abriu a sua actuação, mas também em “Ele Tinha Uma Amiga”, o piano a resistir ao apelo “fadístico” e a privilegiar as linhas com que se cose o próprio Jazz. Desfeitas as dúvidas, houve ainda um cheirinho de bolero e de bossa nova, com “Chega-se a Este Ponto” e essa obra-prima de Tom Jobim que é “Inútil Paisagem”, seguido de “A Correr”, sobre um poema magistral de Manuela de Freitas e “Sei de Um Rio”, a fechar o alinhamento. O público não poupou nos aplausos e as “Quadras” voltaram ao palco num “encore” muito apreciado. A noite foi enorme mas, repito, soube a pouco!
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