CONCERTO: Orquestra de Jazz de Estarreja convida Kiko Pereira
EstarreJazz 2020
Cine-Teatro de Estarreja
10 Out 2020 | sab | 21:30
A propósito da recente atribuição do Prémio Nobel da Literatura à norte-americana Louise Glück, Luís Osório escreveu, e passo a citar: “Nunca tinha ouvido falar de Louise Glück. (...) Vivemos numa redoma onde aquilo que lemos, vemos e ouvimos é uma ínfima parte do que existe para ser lido, ouvido e visto. Por vezes, damos por nós a comprar o que não é assim tão bom. Canções. Poemas. Romances. Quadros. Filmes. E somos atordoados com o que dizem as máquinas de fazer ídolos. Atordoados pelo modo como somos torpedeados pela imposição do gosto e de figuras que tiveram a sorte de estar do lado certo da paragem de comboio. Louise Gluck é a prova disso.” Tal como Luís Osório, não conhecia Louise Glück. Mas o que ele diz em relação à poeta, pode dizer-se em relação a uma série de artistas de enorme valor e que desconhecemos completamente. O que me leva ao encontro de Kiko Pereira e do extraordinário concerto no Cine-Teatro de Estarreja, na noite de ontem, a fechar o EstarreJazz 2020.
Não consigo deixar de pensar porque raio, sendo eu uma pessoa minimamente interessada e atenta ao fenómeno do Jazz, desconhecia por completo a existência desta voz. Uma excelente voz que, complementada por uma fortíssima presença em palco, faz de Kiko Pereira um dos maiores artistas portugueses que tive o prazer de escutar até ao dia de hoje. Se dúvidas houvesse, bastaria a interpretação de “Georgia On My Mind”, estrondoso êxito da autoria de Hoagy Carmichael, para as dissipar. Mas as boas surpresas não se quedaram por aqui, tendo sido possível escutar um conjunto de temas notáveis, de “My Ideal” a “Save Your Love For Me”, “But Not For Me”, “Just The Two Of Us” ou “Nevermind”, Chet Baker, Buddy Johnson, George Gershwin ou Bill Withers unidos num abraço pela voz de Kiko Pereira. Também a sua qualidade de compositor ficou bem patente em “Subliminal French” e “Hunger Sold”, este último sob um poema de Charles Bukowski, a mensagem social e política igualmente presente. “Queda do Império”, um dos temas imortais de Vitorino, recebeu a maior ovação da noite, tendo direito a “bis” já no encore.
Mas Kiko Pereira não esteve sozinho em palco. A Orquestra de Jazz de Estarreja acompanhou na perfeição o cantor e também ela é uma surpresa. Não creio que a tivesse ouvido depois de Abril de 2018, quando convidou um dos seus, João Mortágua, e há uma clara evolução na sua música, no à vontade em palco, na forma como se abraçam solos e se elevam à perfeição momentos únicos. Carlos Azevedo voltou a dirigir esta Orquestra e fez questão de salientar isso mesmo. Ter nos diversos naipes executantes da qualidade de um Tomás Marques, Ricardo Rosas, João Fragoso, Domingos Henriquez ou Ricardo Alves é uma felicidade. E termino esta crónica como a comecei, com outras palavras de Luís Osório que poderiam ser as nossas: “Porém, meus amigos que (como eu) nunca tinham ouvido falar dos poemas de Louise. Vejam lá a sorte que temos. Amanhã quando acordarmos, no calorzinho de um sábado de outono [neste caso uma segunda feira], saberemos que existe muito para ser descoberto. Muitos livros para ser lidos. Muitos poemas que nos arrebatarão quando os conhecermos. Muitos filmes que nos farão pensar. Muitos quadros que não vimos. E pensamentos. E perguntas por perguntar. Uma sorte. Um desafio ao nosso olhar que, tantas e tantas vezes, olha sem ver.”
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