CONCERTO: “Pelle”,
de Maria Gadú
Misty Fest 2019
Casa da Música
18 Nov 2019 | seg | 21:00
“Vou debruçar meu caráter
No Negro Rio mata híbrida
Quero contar aos meus filhos
Sobre um mergulho fantástico”
“Axé Acappella” irrompe feroz, como um fogo violento. “Pararam p'ra reparar? Estão ouvindo esse som?” pergunta a cantora, para nos dizer, de seguida, “é guerra, é dente por dente (...) e se bater vai matar!”. Mas a canção não se esgota nas palavras que a conformam e Maria Gadú faz questão de a estender num improviso carregado de intenção: “Em nome do nosso direito de ir e vir, de pensar, de falar, de agir; em nome do nosso direito de estudar, de aprender, de trabalhar, de se aposentar; em nome do nosso direito de votar, de escolher, de mudar de ideia e de lutar; em nome do nosso direito de estar, de permanecer; em nome do nosso direito de cultuar os 305 povos indígenas brasileiros; em nome do nosso direito de cultuar as nossas 274 línguas indígenas brasileiras; em nome dos nossos direitos de casar, de passear por aí com os nossos amores, sem apanhar, sem ser violentado, sem morrer; em nome do nosso divino direito de amar... BOLSONARO, NÃO!”. Uma explosão de palmas e gritos ecoou na sala. “Silente um bom Deus vela a terra sagrada da ingratidão / Um Axé acapella feroz insinua o batidão!”.
Antes disso, porém, mesmo muito antes, começámos por ter a estranheza dum cântico a desdobrar-se na sala, intenso e muito belo, fazendo o público mergulhar num “mundo líquido”. Depois veio a música, nua e crua, a derramar-se do violão e a provocar um arrepio na pel(l)e. Finalmente a poesia, firme e poderosa, catártica, de intervenção, num retorno às origens ancestrais da cultura indígena, clamando pela memória e pela pujança histórica do povo brasileiro. Sob a capa do fantástico e maravilhoso encontro com os sons e as cores deste “Mundo Líquido” - assim se chama a canção com que Maria Gadú abriu o concerto na Casa da Música – escondia-se o convite a que víssemos “a vida de olhos abertos”. Estava dado o mote para um concerto absolutamente incrível, com a palavra a ganhar uma força invulgar e a relegar a própria música para um plano secundário. À sentida homenagem ao povo indígena, sucederam uma saudação à ancestralidade e à infância, respectivamente com “Dona Cila” e “Shimbalaiê”. Com o concerto já em velocidade de cruzeiro, a plateia entoa “(...) quando vejo o sol beijando o mar / Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar” e, de seguida, “Bela flor, pouco disse / Gémea flor, que cresceu no Rio”. Temas como “Tudo Diferente”, “A História de Lily Braun”, “Lounge” ou “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, preencheram o miolo do concerto e serviram de preparação para o primeiro grande momento da noite e já descrito no parágrafo inicial.
Antes disso, porém, mesmo muito antes, começámos por ter a estranheza dum cântico a desdobrar-se na sala, intenso e muito belo, fazendo o público mergulhar num “mundo líquido”. Depois veio a música, nua e crua, a derramar-se do violão e a provocar um arrepio na pel(l)e. Finalmente a poesia, firme e poderosa, catártica, de intervenção, num retorno às origens ancestrais da cultura indígena, clamando pela memória e pela pujança histórica do povo brasileiro. Sob a capa do fantástico e maravilhoso encontro com os sons e as cores deste “Mundo Líquido” - assim se chama a canção com que Maria Gadú abriu o concerto na Casa da Música – escondia-se o convite a que víssemos “a vida de olhos abertos”. Estava dado o mote para um concerto absolutamente incrível, com a palavra a ganhar uma força invulgar e a relegar a própria música para um plano secundário. À sentida homenagem ao povo indígena, sucederam uma saudação à ancestralidade e à infância, respectivamente com “Dona Cila” e “Shimbalaiê”. Com o concerto já em velocidade de cruzeiro, a plateia entoa “(...) quando vejo o sol beijando o mar / Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar” e, de seguida, “Bela flor, pouco disse / Gémea flor, que cresceu no Rio”. Temas como “Tudo Diferente”, “A História de Lily Braun”, “Lounge” ou “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, preencheram o miolo do concerto e serviram de preparação para o primeiro grande momento da noite e já descrito no parágrafo inicial.
A cantora solta-se no calor da sua
mensagem e, logo após o extraordinário “Amor de Índio” - “Sim,
todo amor é sagrado / E o fruto do trabalho / É mais que sagrado,
meu amor”- oferece o segundo grande momento da noite, ao declamar o
poema de Beto Guedes “O Sal da Terra”, convidando a uma reflexão
profunda: “Vamos precisar de todo mundo / Um mais um é sempre mais
que dois / P'ra melhor juntar as nossas forças / É só repartir
melhor o pão / Recriar o paraíso agora / Para merecer quem vem
depois / Deixa nascer, o amor / Deixa fluir, o amor / Deixa crescer,
o amor / Deixa viver, o amor / O sal da terra.” Já no muito celebrado “encore”,
Maria Gadú começou por saudar esse outro nome enorme da poesia e do
mundo, Jacques Brel, com “Ne Me Quitte Pas”, aproveitando ainda
para denunciar as queimadas na Amazónia e no Cerrado, que servem os
“lobbies” da soja e do gado - “tem hoje mais gado no Brasil que
gente” -, e sugerir que se pense melhor na hora de comer um bife. Do meio da assistência, alguém
gritou “Altar Particular” e a cantora não se fez rogada, para
gozo e gáudio do público. Com “Laranja” - “Ô menina, parece
índia Yanomani seu cabelo preto breu / Simula um toque, que
desabroche / Esse teu casto mastigado pelo meu” - Maria Gadú colocou um ponto
final nesta noite memorável, mas antes ainda deixou no ar uma pergunta, a raiva
na voz, a exigir resposta urgente: “Quem mandou matar Marielle
Franco?” Saravá, Maria Gadú!
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