CONCERTO: Pérez Cohen Potter
Quintet
Festival Internacional de Música de
Espinho
Auditório de Espinho – Academia
19 Jul 2019 | sex | 22:00
“(...) Leaving behind nights of terror and
fear / I rise / Into a daybreak that's wondrously clear / I rise /
Bringing the gifts that my ancestors gave / I am the dream and the
hope of the slave / I rise / I rise / I rise.”
Colocando um ponto final na sua
digressão europeia, o Pérez Cohen Potter Quintet esteve na noite
passada em Espinho para um daqueles concertos que valem por uma vida.
Co-liderado por esse pianista de excepção que é Danilo Pérez,
pelo trompetista Avishai Cohen e pelo saxofonista Chris Potter, e
contando ainda com Larry Grenadier no contrabaixo e Jonathan Blake na
bateria, o grupo fez da sua música o vaso onde se beberam todas as
emoções, perante um Auditório lotado e completamente rendido à
sua superior sensibilidade criativa e qualidade interpretativa. E
como se a música, por si só, não fosse suficiente para elevar o
nível do concerto a patamares de excelência, o quinteto fez questão
de fazer deste um concerto de causas, dedicando-o às mulheres,
“porque são elas o presente e o futuro”, diria Pérez a
propósito.
Construir uma aventura musical pessoal
inspirada em figuras como Toni Morrison, Angela Davis ou Maya Angelou, para citar apenas algumas mulheres que, com a
sua icónica presença e a força dos seus trabalhos, souberam vencer
todas as fronteiras de estilo e influências, tal foi a proposta para
uma noite de festa e de celebração. Escrito por Danilo Pérez e
dedicado à escritora Toni Morrison, “Beloved” deu o pontapé de
saída e revelou a medida da ambição do grupo, capaz de exprimir
musicalmente pensamentos densos e profundos que nos falam da vida,
dos sonhos ou do amor, transformando-os em sons e harmonia. Foi uma
experiência única, de energia rítmica e coerência musical feita,
a música a brotar livre e inspiradora, a plateia suspensa,
subjugada, em êxtase.
Seguiu-se “Tea Cake”, um tema
inspirado na personagem do celebrado romance de Zora Neale Hurston,
“Their Eyes Were Watching God” (1937) e escrito por Chris Potter,
Aqui, de novo, se devolvem, em forma de música, os movimentos
emocionais de uma obra literária, num todo pleno de harmonia, Jonathan Blake a revelar-se um baterista de excepção e com um sentido do
ritmo absolutamente prodigioso. O terceiro tema saiu da mente
inspirada de Avishai Cohen e remete para “Innovation: Africa”,
projecto de desenvolvimento tecnológico e agrícola liderado pela israelita Sivan Ya'ari junto de comunidades rurais do Uganda, Etiópia,
Malawi, Tanzânia, Zimbabwé e outros cinco países africanos. Na mente de
todos, para além do incrível diálogo entre trompete e saxofone,
ficarão os minutos iniciais desta composição única e que
mimetizam, de forma impressiva, os sons de um amanhecer em África.
“Lament for Jojo”, escrito por
Chris Potter e baseado numa personagem do romance “Sing, Unburied,
Sing”, de Jesmyn Ward, foi um momento de saborosa tranquilidade. O
concerto é agora um mar de águas calmas onde Pérez se espraia em
notas tímbricas que prolongam a viagem e Cohen e Potter elevam o
diálogo entre os respectivos instrumentos a um lirismo arrebatado, Larry Grenadier a pontuar o conjunto com os acordes graves do seu contrabaixo. Quanto a Blake, é cada vez mais um caso à parte neste concerto, assumindo-se
como um verdadeiro líder. Com inexcedível coerência, um tom
intimista cai sobre o Auditório quando Avishai Cohen recita “All The Things You Have to Say Goodbye Before the End”, um poema de
Zelda Schneurson Mishkovsky. Tema final do alinhamento, “Alternate
Realities”, escrito por Danilo Pérez e dedicado a Angela
Davis, põe de lado o impressionismo pastoral do quinteto, dando
lugar a uma alegre cacofonia sinfónica digna de um Charles Mingus no
seu melhor. No “encore” ainda ouviremos, inebriados, “Still I
Rise”, tema inspirado no poema homónimo de Maya Angelou e que
reforçou, uma vez mais, ter sido este um concerto de causas. E de
mulheres!
[Foto: facebook.com/fimespinho/]
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