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sábado, 20 de julho de 2019

TEATRO: "Bonecas"



TEATRO: “Bonecas
Direcção artística | Ana Luena, José Miguel Soares
Texto cénico, encenação, cenografia e figurinos | Ana Luena, a partir de um conto de Afonso Cruz e do universo de Paula Rego
Música original | Zé Peps
Caracterização | Chissangue Afonso
Interpretação | Mariana Magalhães, Nádia Yracema, Susana Sá, Matilde Magalhães
Co-produção | Malvada Associação Artística, São Luiz Teatro Municipal, Câmara Municipal de Évora, Teatro Nacional S. João
75 Minutos / Maiores de 14 anos
Teatro Carlos Albert0
17 Jul 2019 | qua | 19:00


Partindo de um conto inédito de Afonso Cruz e da “brutalidade bela” da pintura de Paula Rego, Ana Luena constrói, com “Bonecas”, uma dramaturgia em torno das noções de território, identidade e memória. Inserindo a peça no âmbito do programa da Malvada Associação Artística ao explorar o retrato e processos de desterritorialização por desvinculação, a encenadora integra igualmente no espetáculo a experiência partilhada com um grupo de raparigas de um centro de acolhimento temporário e um grupo de mulheres vítimas de violência doméstica de uma casa abrigo.

A severidade e crueldade destes territórios femininos tornam as suas vítimas cativas da sua própria condição. Como num “tableau vivant”, as personagens de “Bonecas” expressam-se em relações dicotómicas de vulnerabilidade e força e numa inversão de papéis onde submissão e dominação se confundem. Cruzando exercícios de improvisação, criação de cenas, desenho de personagens, técnicas de “role-play” com fotografia, cria-se uma narrativa rizomática, “como um livro que cose diferentes cadernos numa só lombada”. Nessa “cartografia de multiplicidades” que o teatro e a fotografia oferecem, “Bonecas” trabalha possibilidades de reconstrução identitária, de reconhecimento e pertença.


Alguém rouba um livro imaginário, um livro proibido, aqui adereço de cena onde se lêem excertos e no qual nos podemos identificar com a Sãozinha e com as meninas que foram abandonadas no Lazareto para serem criadas da burguesia, nos anos 50 do século XX, em Lisboa. Aquelas meninas poderíamos ser nós. Escravos, hoje. A voz no mais íntimo de Ana Luena quis falar sobre isto, unindo-se desta forma a outras vozes de quem sofre de abusos e de violência. Como defender hoje os direitos da mulher, das crianças e, logo, dos homens? Daqueles que por alguma razão são atirados para uma situação de fragilidade extrema e por isso permeáveis, sujeitos à crueldade inerente ao ser humano. Muitas vezes não há saída. Como continuar espectador deste mundo? Como? Como sobreviver sem fechar os olhos, sem gritar e acusar em vão? Como? Olhar o outro como se fossemos nós. Sim. O teatro permite-nos ser, estar e falar pelo outro sem nunca deixarmos de sermos nós. Ser pelo outro sem nunca deixar de ser eu. Na morte somos todos iguais. Somos todos irmãos. Apenas corpos sem vida.

[Foto: facebook.com/TeatroNacionalSaoJoao/]

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