TEATRO: “Provisional Figures”
Texto | Isabela Figueiredo e Gonçalo
M. Tavares
Encenação e Dramaturgia | Marco
Martins
Cenografia | Fernando Ribeiro
Interpretação | Ana Moreira, Ivan
Ammon, Maria do Carmo Ferreira, Pedro Cassimo, Pete Dewar, Richard
Raymond, Robert Elliot, Sérgio Cardoso de Pinho, Victoria River
Produção | CCTAR – Centro de
Criação para o Teatro e Artes de Rua
Teatro Rivoli – Palco do Grande
Auditório
16 Jun 2018 | sab | 19:00
FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
FITEI - Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
“Um pela agonia,
Dois pela alegria,
Três pela menina,
Quatro pelo menino,
Cinco pela prata,
Seis pelo ouro,
Sete pelo segredo
Seguro num tesouro.
Oito pelo desejo,
Nove pelo beijo,
Dez pela ave
Mais bela que vejo.
Pega.”
O espectáculo está prestes a começar.
O público vai tomando o seu lugar e de imediato se dá conta que irá partilhar os assentos na plateia com os actores, cujas
cadeiras, dispersas pela sala, estão reservadas. Enquanto se espera
pelo início do espectáculo, o som de fundo é o de entrevistas
gravadas que remetem para experiências de vida particularmente duras
em contexto laboral, a integridade e a própria dignidade da pessoa
feridas em nome desse “bem maior” que é o ter trabalho, seja a
que preço for. Na verdade a peça já começou e é Marco Martins a
colocar-nos um nó na garganta ao dizer-nos que a Ana ou o Robert, o
Sérgio, a Victoria, a Carmo ou qualquer um dos outros, somos nós.
Um nó que se aperta à medida que os (não) actores vão surgindo em
palco e expondo o provisório das suas vidas, a precariedade e a
humilhação, o dinheiro escasso e a família longe, a felicidade e o
amor eternamente adiados.
Culminando um processo de dois anos de
investigação junto da comunidade portuguesa de Great Yarmouth e
baseando-se nos testemunhos individuais de quem viveu de perto este
período de incerteza, “Provisional Figures” propõe-nos uma
reflexão sobre os problemas da identidade e da emigração num
contexto urbano fortemente abalado pela crise económica e
consequentes convulsões sociais. É um trabalho que mergulha numa
realidade relativamente desconhecida em Portugal e que nos fala da
emigração no auge da crise económica (2009-2014), em particular
para a região de Norfolk, outrora destino balnear de eleição para
os britânicos, agora reconvertido em centro da indústria de
transformação alimentar.
Com “Provisional Figures”, Marco
Martins volta a privilegiar o teatro do real, oferecendo-nos uma peça
de enorme significado e alcance, em nome da crise, uma verdade que
não pode ser esquecida. Uma crise que se revelou tremenda para
milhões de pessoas sobretudo nos países do Sul da Europa, desestruturou famílias, comunidades inteiras, levou ao
desemprego em massa, encerrou milhares de micro, pequenas e médias
empresas... mas que deu muito jeito a alguns. E que pode estar aí ao
virar da esquina, doa a quem doer, porque pode vir a dar jeito a
alguns outros, afinal os mesmo de sempre. A presença dos não
actores em palco reforça a mensagem, espicaçando recorrentemente o
público com essa ideia tão querida ao encenador de que “todo o
mundo é um palco”. E é, finalmente, o homem que está em causa, enquanto indivíduo
dito superior, a revelar-se pior do que qualquer outro animal, o mais
cruel para os outros e para si próprio.
[Foto: facebook.com/FestivalFITEI/]
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