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terça-feira, 19 de junho de 2018

TEATRO: "Margem"



TEATRO: “Margem”
Texto | Joana Craveiro
Direcção | Victor Hugo Pontes
Cenografia | F. Ribeiro
Música | Marco Castro e Igor Domingues
Interpretação | Alexandre Tavares, André Cabral, David S. Costa, Hugo Fidalgo, João Nunes Monteiro, José Santos, Magnum Soares, Marco Olival, Marco Tavares, Nara Gonçalves, Rui Pedro Silva e Vicente Campos
Produção | Nome Próprio
Teatro do Campo Alegre
16 Jun 2018 | sab | 17:00
FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica


— Esta não é uma história de 1937.
— Ou só de 1937.
— E todos os exemplares queimados do livro numa praça pública da Bahia não conseguiram que a história ficasse só em 1937 e aí morresse.
— Junto com o Sem-Pernas que se lançou no morro, com ódio dos que o perseguiam.
— Junto com a Dora que morreu de amor.
— De febre.
— De amor.
— Junto com todos os outros que nestes 80 anos ficaram pelo caminho.
— Às vezes pensamos que caminho é este que engole tantos.
— Sem que eles tenham tempo de dizer «estamos aqui».

80 anos volvidos sobre a publicação de “Capitães da Areia” - retrato amargo dos meninos de rua no trapiche baiano, da autoria de Jorge Amado -, Victor Hugo Pontes recuperou o tema e foi à procura dos novos “capitães da areia”, aqueles meninos e meninas que, nos dias de hoje, não tendo cometido crime algum, tiveram apenas a má sorte de nascer no lugar errado, algures na margem (ou à margem) da Sociedade. Com assinatura de Joana Craveiro, o texto da peça tem por base os relatos de jovens de duas instituições parceiras neste trabalho – a Casa Pia, de Lisboa e o Instituto Profissional do Terço, no Porto – e dele resulta um espectáculo de dança e teatro em partes iguais, muito rico visualmente e com uma mensagem social assertiva e plena de actualidade.

A música de Marco Castro e Igor Domingues (Throes + The Shine) espalha-se já pela sala quando as portas do Auditório se abrem para que o público possa entrar. Também já lá estão os doze jovens actores, acompanhados por duas mãos cheias de figurantes muito mais novos, uma imensa energia naqueles corpos franzinos, muita briga e jogo de bola, uma palmeira a assistir discretamente às brincadeiras das crianças e a fazer a ponte entre o Brasil tropical, palco da acção do livro, e este lado de cá do Atlântico, esta outra margem de tanto mar. Não temos aqui Pedro Bala, João Grande, o Professor, o Sem-Pernas, o Pirulito, a Dora ou o Volta-Seca, mas temos o Alexandre, o Rui Pedro, o Hugo, o David, a Nara – maravilhosa Nara, bravo! -, o Magnum ou o Marco, o que vai dar no mesmo, que o mesmo é dizer, na mesma polícia que reprime, no mesmo medo e dor, na mesma casa onde a felicidade fica à porta.


“Pobres como podres”, os novos capitães da areia partilham com os meninos de Jorge Amado uma casa que não é sua, a ausência de um pai ou de uma mãe, o estarem em défice logo à partida ou terem-se visto em défice por razões às quais são alheios. Aqui, ser criança não é achar que tudo é fantasia ou acreditar num mundo cor de rosa cheio de pipocas. Bem pelo contrário, é não pedir com os olhos, é não acreditar no poder dum sorriso, é desconhecer o carinho e o afecto. Com “Margem”, Victor Hugo Pontes abre as portas a uma realidade que afecta actualmente mais de 8.000 crianças e jovens em Portugal e deixa-nos um recado que se nos cola à pele. É o teatro, uma vez mais, a cumprir a sua missão de revelar tudo aquilo que não é imediato, a ir ao fundo do Homem.


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