TEATRO: “Longe”
Direcção e texto | Raquel S.
Interpretação | Margarida Gonçalves
Cenografia | Catarina Barros
Música | José Alberto Gomes
Produção | Noitarder – Associação Cultural
FITEI 2018 – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
Direcção e texto | Raquel S.
Interpretação | Margarida Gonçalves
Cenografia | Catarina Barros
Música | José Alberto Gomes
Produção | Noitarder – Associação Cultural
FITEI 2018 – Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica
“Longe”, de Raquel S., abriu a 41ª
edição do FITEI – Festival Internacional de Teatro de Expressão
Ibérica sob os melhores auspícios. No Auditório do Teatro
do Campo Alegre, sozinha em palco, Margarida Gonçalves agarrou o
público “pelas tripas” ao invadir os domínios do hiper-realismo, num monólogo intenso e carregado de emoção. Minimalista, o cenário pode muito bem ser o de uma sala de aula onde decorre uma dissertação científico-filosófica, o palco a estender-se inteligentemente para lá das suas linhas de
demarcação e a fazer com que o público se torne parte integrante da
peça. No intimismo desse espaço restrito (que a grande proximidade entre actriz e público acentua), “professora” e “alunos” congregam interesses e esforços, irmanados num mesmo propósito,
o de perceber os contornos e os limites da memória ou o que fica de
alguém próximo que morreu.
Baseada num texto engenhosamente trabalhado, a peça remexe no mais íntimo de cada um, ao encontro de
matéria que preencha o vazio da perda. Apoiando-se em palavras,
ideias, artigos ou histórias de figuras ilustres – Rimbaud, Freud,
Susan Sontag, Proust, Samuel Beckett, Herberto Hélder ou Edgar Allan
Poe – ou de simples “apontamentos de aluno desconhecido de uma
aula da disciplina de Medicina Legal”, Raquel S. constrói uma peça que cruza vários campos, trabalhando a temática da morte
com o distanciamento que se exige mas aproximando-se o suficiente
para a tornar matéria palpável de análise e reflexão. Uma reflexão que, no imediato, conduz o espectador ao encontro das suas
próprias vivências e memórias, dos seus medos e fantasmas, vergado ao peso de um enorme ponto de interrogação.
Uma cortina que divide o palco, ora
funciona como um adereço que sugere a “passagem” do lado
material para o imaterial, do campo dos vivos para o dos mortos (e vive-versa), ora
sublinha as inúmeras dimensões duma discussão que nunca se afasta
do valor da memória, do sonho ou da fantasia, enquanto rastos de vidas que já não voltam. Convidado a
“passear” pelos cenários interiores do “eu” e a partilhar as
dúvidas que se avolumam em torno do que é real ou apenas aparente
(a fotografia, entendida como “verdade”, alcança neste contexto
o valor de insofismável embuste), o espectador acaba mergulhado na
certeza de não ter já certeza alguma. No limite, com “Longe”, o
teatro exerce de forma superior a sua função transformadora, criando
um forte impacto emocional e levantando questões a exigir respostas. A isto não é
alheio – importa sublinhar – a notável representação de
Margarida Gonçalves, uma verdadeira máquina de “dizer texto”,
sem quebras no ritmo e na dinâmica em palco e, com isso realçando a
qualidade literária da peça e garantindo o empolgamento crescente
do público. Bravo!
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