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sábado, 23 de novembro de 2024

TERTÚLIAS LITERÁRIAS: "Conversas às 5" | Cláudia Cruz Santos



TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5”,
com Cláudia Cruz Santos
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Centro de Reabilitação do Norte
20 Nov 2024 | qua | 17:00


Com o ano à beirinha do fim, o Centro de Reabilitação do Norte foi palco, ao final da tarde da passada quarta feira, da última sessão de 2024 das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”. Convidada especial de um momento sempre especial, a romancista Cláudia Cruz Santos trouxe-nos um pouco dos seus “ruidosos” mundos, tão em contraciclo com aquilo que veio encontrar nesta cidade sem muros nem ameias, “um espaço de paz e harmonia, como se fosse um parênteses no tempo”. Uma janela de oportunidade que lhe permitiu, ainda que por breves instantes, afastar-se da confusão lá fora, ao encontro de um conjunto de pessoas muito variado, mas que tem como denominador comum o gostarem de histórias. Começando por falar de si, a convidada referiu terem sido “muito turbulentos” os seus últimos anos. Professora de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a certa altura, mais ou menos por acaso, iniciou outras aventuras que a confrontaram com o mundo do Futebol e da Política. Actual Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e, a partir de 2019, eleita como deputada independente nas listas do Partido Socialista, Cláudia Cruz Santos tem vivido os últimos quatro anos e meio em contextos de grande conflitualidade e confessou sentir muitas saudades da sua vida na Faculdade. “Tantas saudades, que este ano voltei a dar aulas e, sempre que ponho um pezinho em Coimbra, tenho uma sensação de alívio. A mesma sensação que sinto aqui”, disse.

Ainda antes de abordar as questões à roda dos seus livros, Cláudia Cruz Santos referiu que a perfeição “é um dia com o meu filho, mar, areia e um bom livro”. Falando da sua vida enquanto membro do hemiciclo, salientou que “não se deve ser deputado, deve-se estar deputado”, vincando a noção de transitoriedade inerente ao lugar. Pegando na sua experiência, disse: “Quando aceitei o convite para integrar as listas, tinha um interesse particular. Como professora de Direito Penal, interessava-me perceber como é que as leis são feitas (…), participar nesse processo. Mas quando cheguei à Assembleia, percebi que era tudo muito mais difícil do que imaginava. O conflito é muito grande, o debate nunca é orientado para a procura de consensos.” A convidada recorda a sua primeira semana na Assembleia: “Eu estava intimidada com o clima do plenário, com a gritaria, a animosidade. Ao meu lado estava sentado um velho deputado, o José Magalhães, a quem manifestei o meu incómodo com aquele modo de comunicar. Ele disse-me qualquer coisa como isto: É melhor que se habitue, prepare-se, porque caiu dos cadeirais onde se sentam os académicos para a arena onde lutam os leões. Portanto, a Assembleia da República tem esse ambiente de gladiadores e cada grupo parlamentar tem os seus. Para tratar um determinado assunto vão para a fila da frente e usam as suas armas. O debate é um debate para ganhar, não é para chegar a consensos. Portanto, um debate difícil, muito diferente daquele que há na Universidade.” Voltando a José Magalhães e ao conselho recebido, Cláudia Cruz Santos nunca se sentiu preparada: “Acho que tenho até mais dificuldade agora do que tinha no principio”, concluiu.

Tempo, agora, para falar de livros. Ao contrário da sua produção académica, os romances apareceram absolutamente por acaso. Treinada para uma escrita muita argumentativa, sem imaginação, sem adjectivos, refém da necessidade de provar tudo aquilo que é dito, Cláudia Cruz Santos encontrou, no Verão de 2016, uma oportunidade para desenhar outro género de escrita. Os entediantes dias de exames no Centro de Estudos Judiciários, de cujo júri fazia parte, levaram-na a pensar na figura de “uma juíza insuportável”, o que viria a dar origem a um pequeno texto e à descoberta de que este tipo de abordagem criativa a ajudava “a fazer as pazes com o Universo”. De pequeno texto em pequeno texto - onde foram cabendo o traficante, a vítima sexual ou o jogador de futebol -, nasceu “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular” (Bertrand Editora, Setembro de 2017), conjunto de contos unidos pela argamassa da ficção, com um fio condutor: Uma juíza, Amália, que deixa a sua sala de audiências, ao encontro de diferentes tipos de pessoas e da vida que levam cá fora. Este livro serviu também para partir em busca de respostas às muitas dúvidas que se levantam na relação da Justiça com os cidadãos: “Temos um sistema de Justiça que não dá resposta aos problemas reais das pessoas. Há um grande número de situações que deveriam ser resolvidas através de soluções terapêuticas. Muitas pessoas praticam crimes porque têm problemas de saúde mental, de alcoolismo ou relacionados com a pobreza, para os quais deveria haver respostas - ainda que sejam mais difíceis, impliquem mais investimento do Estado, maior disponibilidade -, em vez do encarceramento puro e simples das pessoas, o que raramente produz efeitos positivos.”

Acerca de “A Vida Oculta das Coisas” (Bertrand Editora, Março de 2019), Cláudia Cruz Santos referiu que a ideia para a escrita do livro surgiu numa altura em que estava a preparar uma conferência para um grande Congresso sobre tráfico de seres humanos. Do estudo das rotas do tráfico de mulheres - América do Sul (sobretudo do Nordeste do Brasil), Leste Europeu (Roménia e Moldávia) e África (sobretudo da Nigéria) -, ao modo de recrutamento nos países de origem, ao transporte para a Europa e à sua colocação em casas de alterne ou em casas onde se pratica a prostituição, nasce um romance que mostra a mulher “não na dimensão da sua sexualidade, mas na complexidade das suas vidas”. Ao mesmo tempo, a autora quis mostrar uma realidade que permanece particularmente invisível, a “vida oculta” de pessoas tratadas como “coisas”, “pessoas traficadas que existem à nossa volta e que nós não vemos - e não vemos porque têm medo -, mas que precisam muito de ajuda”. No espaço de perguntas e respostas aberto ao público, para cima da mesa saltaram os extremismos, o futebol e a prostituição, em questões fantásticas e desafiantes. A ida recente ao Paquistão e o confronto com um regime profundamente injusto serviu para dizer que vale sempre a pena afirmar uma posição de verdade e de justiça, conseguindo dar a ouvir a voz daqueles que a não têm. Já o futebol, levou-nos à decisão “profundamente censurável” da FIFA em organizar o Mundial no Qatar, mas também à certeza de haver neste particular mundo muitas pessoas corajosas e dignas. Finalmente, quanto à prostituição e ao debate aberto à sua volta, a convidada não tem dúvida de que deve ser legalizada, num modelo de livre escolha.

Para o final ficou “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta” (Gigões & Anantes, Maio de 2020), um romance em linha com os anteriores em termos de conteúdo, mas algo diferente na forma como se abre ao leitor, já que se trata de um policial. E um policial porquê? “Eu gosto imenso de policiais, embora seja, de algum modo, um género desconsiderado pelos grandes apaixonados pela literatura”. Apreciadora confessa de Ruben Fonseca, Francisco José Viegas e João Tordo, Cláudia Cruz Santos acha muito difícil escrever policiais, “porque é difícil não revelar tudo, mas não chegar a uma solução incoerente”. Na busca de um homicida que não fosse óbvio - “na realidade quase nunca são óbvios” -, a autora fala de preconceito e de estereótipos, dos toxicodependes, árabes barbudos e homens solitários que atraem criancinhas com rebuçados, para nos dizer que o mal pode estar onde menos se espera. As últimas palavras da convidada foram para este momento de revisitação da sua obra. Assustada, à partida, com a possibilidade de voltar a esta dimensão da sua vida - “o último livro é de 2020 e nós estamos em 2024”, lembra - e a investir-se num papel do qual se tinha começado a esquecer, foi percebendo, afinal, que as coisas não estavam assim tão distantes e o momento revelou-se extraordinariamente prazeroso para todos os participantes na Tertúlia. Parece haver um novo romance no horizonte, mas a oportunidade para desenvolver uma história já desenhada na mente da autora tarda em surgir. Talvez Cláudia Cruz Santos possa regressar proximamente ao CRN para nos falar desse seu novo livro.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

LIVRO: "O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta"



LIVRO: “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta”, 
de Cláudia Cruz Santos 
Ed. Gigões & Anantes, Maio de 2020


“Odeio-os, aos pratos. Às vezes imagino-me a pegar neles, um por um, e a atirá-los pela janela, como se fossem discos-voadores, pairando sem peso no ar transparente antes de se escaqueirarem no chão da rua, primeiro elegantes e silenciosos, mas nos instantes finais mais vãos e ruidosos do que fogo de artifício. Um dia talvez ainda o faça. Um por um até acabar o serviço. Apetece-me tanto, dar cabo dos cabrões dos pratos.”


No título expressivo e recheado de promessas, não seria absurdo ver neste “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta” um livro para a infância e juventude. A capa – belíssima, diga-se -, parece apontar para tal e, sobretudo, os ambientes de liceu que se abrem nas primeiras páginas e que servem de pano de fundo às aventuras e desventuras de alunos, professores e encarregados de educação, estão ali a insinuá-lo. Cedo, porém, Cláudia Cruz Santos nos diz que nem tudo o que parece é, uma bolinha vermelha a desenhar-se no canto superior direito de cada página com a revelação de uma morte violenta e o aflorar dos seus contornos. Mas as reviravoltas não se ficam por aqui e o livro, que parece lançar-se agora nos trilhos do policial, mostra-se renitente em abrir-se a inspectores, investigações e bombásticas revelações, obrigando a descartar o que pareceria óbvio. E há ainda essa interrogação incontornável sobre a identidade do assassino, aqui com um desfecho pouco sherlockiano, elementar apenas para alguns. 

Pesem embora o título e as voltas trocadas ao leitor, o livro não tem nada de “extraordinário” a não ser a sua enorme coerência no âmbito da obra ficcionada de Claúdia Cruz Santos e a confirmação de estarmos perante uma excelente contadora de histórias. Na linha dos anteriores “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular” e “A Vida Oculta das Coisas”, a autora regressa a temas que lhe são particularmente queridos, dos assuntos da justiça à noção de família. Fá-lo numa escrita cuidada, recheada de lugares que reconhecemos, recorrendo, a espaços, a personagens que se libertam dos anteriores romances para nos virem dizer que permanecem vivas, dentro e fora de nós. Esta é a parte boa do livro, a parte menos boa residindo na falta de contenção no momento em que as causas afloram, o coração a falar mais alto que a razão, a narrativa a tomar os caminhos do manifesto, comprometendo a fluidez da leitura e retirando ao todo a desejada unidade. 

Para quem possa rever-se nas preocupações da autora e valoriza a sua determinação em denunciar os erros e contradições de uma sociedade egoísta e mesquinha, “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta” tem o valor de uma manta leve e aconchegante, que nos põe um calorzinho no peito e uma palavra de gratidão na boca, por haver quem tão bem saiba exprimir aquilo que nós próprios pensamos. Mas isto sou eu a falar que sou suspeito. E que desde o primeiro instante me refugiei nas partes do livro, não cuidando em atentar na sua soma. Talvez a minha falta de treino no campo do thriller ou das séries e filmes policiais, fizesse com que me afastasse daquilo que era suposto ser a essência do livro. Mas há também Cláudia Cruz Santos e o tom deste seu romance, a atenção dispersa por demasiados assuntos a baralhar o foco do leitor. Duvido, ainda, que a solução encontrada pela autora para “resolver” este seu romance seja consensual, mas outros leitores haverá que o possam julgar melhor que eu. 

quarta-feira, 12 de junho de 2019

LIVRO: "A Vida Oculta das Coisas"



LIVRO: “A Vida Oculta das Coisas”,
de Cláudia Cruz Santos
Ed. Bertrand Editora, Março de 2019


Literatura e liberdade são conceitos que se encontram intimamente ligados. Uma e outra não são dádivas caídas dos céus, antes resultam duma consciencialização individual e de uma concepção alargada do mundo que nos rodeia, substantivos que evoluem e se transformam com o nosso pensamento e as nossas atitudes. Cláudia Cruz Santos tem a perfeita noção de que há tempos em que assumir um compromisso com o nosso tempo se torna essencial, tempos esses em que é impossível continuar a calar a indignação. Denunciar, expôr à evidência os males que viciam e corrompem as sociedades e gritar “basta” é uma emergência. É por isso que escreve, assim afirmando, de maneira ímpar, a sua própria liberdade.

A verdade que não se pode calar deu origem a “Nenhuma Verdade Se Escreve No Singular”, o primeiro romance da autora, e volta a ser a força motriz deste “A Vida Oculta das Coisas”. Mas as semelhanças entre os dois romances não se ficam por aqui. Há toda uma estratégia narrativa comum a ambos que passa por eleger uma personagem principal – Viriato no livro mais recente, Amália no primeiro romance -, nela se cruzando toda uma série de histórias paralelas que dão sentido à trama e lhe conferem solidez. Percebe-se também que todas estas personagens secundárias, ainda que ficcionadas, configuram casos reais e são o veículo para fazer passar a mensagem de que não há mundos perfeitos. Há, todavia, uma clara diferença entre os dois romances, essa diferença residindo no tempo da escrita, na sua cadência. Cláudia Cruz Santos soube aplacar a ansiedade que se percebia em “Nenhuma Verdade Se escreve No Singular”, aquela urgência em contar a(s) sua(s) história(s) e que levava a que, não raras vezes, se desviasse do essencial, para encontrar o ritmo perfeito neste seu segundo romance, tornando-o mais explícito, mais autêntico e mais verdadeiro.

“A Vida Oculta das Coisas” é um livro que prende o leitor da primeira à última página. A forma como a autora gere a acção, como empresta emoção à narrativa e faz respirar o livro, torna-o particularmente apelativo e prova-nos estarmos perante uma exímia contadora de histórias. E há, depois, esse lado sombrio da história e que aqui recai sobre o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. Há nisto tudo um crime que ultrapassa o entendimento humano, há nisto uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar e há um malogro que opõe barreiras a qualquer tentativa de libertação. Mas ainda que duro e incómodo, este é um livro profundamente humano e que acaba por abrir lugar à esperança num mundo melhor. Um livro que nos torna cúmplices de Luba, Asali e Alma e que nos diz que, enquanto as nossas sociedades não conseguirem erradicar o crime organizado, o tráfico de pessoas e a violação reiterada dos direitos humanos, serão sempre sociedades doentes.

segunda-feira, 5 de março de 2018

LIVRO: "Nenhuma Verdade se Escreve no Singular"



LIVRO: “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular”,
de Cláudia Cruz Santos
Ed. Bertrand Editora, Setembro de 2017


Em “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular” há carros topo de gama, casas de alterne e whisky barato vendido como se fosse caro. Há histórias de futebol e homens que decidem quem ganha e quem perde. Há negócios escuros, imigração ilegal e máfias do Leste. Há famílias desestruturadas e crianças institucionalizadas. Há juizes e tribunais, arguidos e testemunhas, culpados e absolvidos. E há a prisão, vista como um azar: nuns dias tem-se sorte, noutros não.

É nos corredores da justiça que se passa este romance de estreia de Cláudia Cruz Santos, um livro que fala de liberdade, do seu valor e do seu preço, da sua relevância social, do seu significado individual. Tirando partido da liberdade que a ficção confere, a escritora despe-se de formalismos técnicos e partilha com o leitor comum as suas inquietações, as suas dúvidas e receios, a sua angústia. No viveiro de histórias e memórias que se derramam dum quotidiano fértil, encontra a escritora a matéria-prima para este seu romance, questionando-se – e aos leitores – sobre os méritos e deméritos (mais estes do que aqueles) do sistema judicial português. Ao mesmo tempo, veste o romance duma dimensão pessoal vincadamente auto-biográfica, alicerçada na figura de Amália, uma juíza que vamos conhecendo melhor nas suas longas noites de insónia.

Nesta sua primeira obra, Cláudia Cruz Santos não consegue disfarçar a ansiedade de querer contar tudo o que lhe vai na alma. Do ponto de vista formal, “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular” acaba por ser quase um livro de contos, onde até mesmo a história central – a relação de Amália com Marta, uma criança de 13 anos em processo de desinstitucionalização – configura um novo conto e não exactamente o fio condutor do romance, como se pensaria. Há momentos de enorme intensidade e beleza neste livro (as palavras duma mãe que testemunha em favor do filho, jogador de futebol apanhado nas malhas da corrupção é um dos mais impressivos exemplos), mas há também momentos que parecem estar ali a mais (nomeadamente umas férias em Marraquexe). E depois não há nada que prepare o leitor para aquele final, sabendo mais a remedeio que a solução plena. Se as coisas boas do livro não apagam as menos boas, não é menos verdade que há muito de apelativo na escrita de Cláudia Cruz Santos, o que nos obriga a estarmos atentos a esta autora e a aguardar por novo romance.