LIVRO: “A Vida Oculta das Coisas”,
de Cláudia Cruz Santos
Ed. Bertrand Editora, Março de 2019
Literatura e liberdade são conceitos
que se encontram intimamente ligados. Uma e outra não são dádivas
caídas dos céus, antes resultam duma consciencialização
individual e de uma concepção alargada do mundo que nos rodeia,
substantivos que evoluem e se transformam com o nosso pensamento e as
nossas atitudes. Cláudia Cruz Santos tem a perfeita noção de que
há tempos em que assumir um compromisso com o nosso tempo se torna
essencial, tempos esses em que é impossível continuar a calar a
indignação. Denunciar, expôr à evidência os males que viciam e
corrompem as sociedades e gritar “basta” é uma emergência. É
por isso que escreve, assim afirmando, de maneira ímpar, a sua
própria liberdade.
A verdade que não se pode calar deu
origem a “Nenhuma Verdade Se Escreve No Singular”, o primeiro
romance da autora, e volta a ser a força motriz deste “A Vida
Oculta das Coisas”. Mas as semelhanças entre os dois romances não
se ficam por aqui. Há toda uma estratégia narrativa comum a ambos
que passa por eleger uma personagem principal – Viriato no livro
mais recente, Amália no primeiro romance -, nela se cruzando toda
uma série de histórias paralelas que dão sentido à trama e lhe
conferem solidez. Percebe-se também que todas estas personagens
secundárias, ainda que ficcionadas, configuram casos reais e são o
veículo para fazer passar a mensagem de que não há mundos
perfeitos. Há, todavia, uma clara diferença entre os dois romances,
essa diferença residindo no tempo da escrita, na sua cadência.
Cláudia Cruz Santos soube aplacar a ansiedade que se percebia em
“Nenhuma Verdade Se escreve No Singular”, aquela urgência em
contar a(s) sua(s) história(s) e que levava a que, não raras vezes,
se desviasse do essencial, para encontrar o ritmo perfeito neste seu
segundo romance, tornando-o mais explícito, mais autêntico e mais
verdadeiro.
“A Vida Oculta das Coisas” é um
livro que prende o leitor da primeira à última página. A forma
como a autora gere a acção, como empresta emoção à narrativa e
faz respirar o livro, torna-o particularmente apelativo e prova-nos estarmos perante uma exímia contadora de histórias. E há,
depois, esse lado sombrio da história e que aqui recai sobre o
tráfico de mulheres para fins de exploração sexual. Há nisto tudo
um crime que ultrapassa o entendimento humano, há nisto uma tristeza
que o pranto não consegue simbolizar e há um malogro que opõe
barreiras a qualquer tentativa de libertação. Mas ainda que duro e
incómodo, este é um livro profundamente humano e que acaba por
abrir lugar à esperança num mundo melhor. Um livro que nos torna
cúmplices de Luba, Asali e Alma e que nos diz que, enquanto as nossas
sociedades não conseguirem erradicar o crime organizado, o tráfico
de pessoas e a violação reiterada dos direitos humanos, serão
sempre sociedades doentes.
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