Páginas

quinta-feira, 11 de junho de 2020

LIVRO: "O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta"



LIVRO: “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta”, 
de Cláudia Cruz Santos 
Ed. Gigões & Anantes, Maio de 2020


“Odeio-os, aos pratos. Às vezes imagino-me a pegar neles, um por um, e a atirá-los pela janela, como se fossem discos-voadores, pairando sem peso no ar transparente antes de se escaqueirarem no chão da rua, primeiro elegantes e silenciosos, mas nos instantes finais mais vãos e ruidosos do que fogo de artifício. Um dia talvez ainda o faça. Um por um até acabar o serviço. Apetece-me tanto, dar cabo dos cabrões dos pratos.”


No título expressivo e recheado de promessas, não seria absurdo ver neste “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta” um livro para a infância e juventude. A capa – belíssima, diga-se -, parece apontar para tal e, sobretudo, os ambientes de liceu que se abrem nas primeiras páginas e que servem de pano de fundo às aventuras e desventuras de alunos, professores e encarregados de educação, estão ali a insinuá-lo. Cedo, porém, Cláudia Cruz Santos nos diz que nem tudo o que parece é, uma bolinha vermelha a desenhar-se no canto superior direito de cada página com a revelação de uma morte violenta e o aflorar dos seus contornos. Mas as reviravoltas não se ficam por aqui e o livro, que parece lançar-se agora nos trilhos do policial, mostra-se renitente em abrir-se a inspectores, investigações e bombásticas revelações, obrigando a descartar o que pareceria óbvio. E há ainda essa interrogação incontornável sobre a identidade do assassino, aqui com um desfecho pouco sherlockiano, elementar apenas para alguns. 

Pesem embora o título e as voltas trocadas ao leitor, o livro não tem nada de “extraordinário” a não ser a sua enorme coerência no âmbito da obra ficcionada de Claúdia Cruz Santos e a confirmação de estarmos perante uma excelente contadora de histórias. Na linha dos anteriores “Nenhuma Verdade se Escreve no Singular” e “A Vida Oculta das Coisas”, a autora regressa a temas que lhe são particularmente queridos, dos assuntos da justiça à noção de família. Fá-lo numa escrita cuidada, recheada de lugares que reconhecemos, recorrendo, a espaços, a personagens que se libertam dos anteriores romances para nos virem dizer que permanecem vivas, dentro e fora de nós. Esta é a parte boa do livro, a parte menos boa residindo na falta de contenção no momento em que as causas afloram, o coração a falar mais alto que a razão, a narrativa a tomar os caminhos do manifesto, comprometendo a fluidez da leitura e retirando ao todo a desejada unidade. 

Para quem possa rever-se nas preocupações da autora e valoriza a sua determinação em denunciar os erros e contradições de uma sociedade egoísta e mesquinha, “O Extraordinário Caso da Mosquinha-Morta” tem o valor de uma manta leve e aconchegante, que nos põe um calorzinho no peito e uma palavra de gratidão na boca, por haver quem tão bem saiba exprimir aquilo que nós próprios pensamos. Mas isto sou eu a falar que sou suspeito. E que desde o primeiro instante me refugiei nas partes do livro, não cuidando em atentar na sua soma. Talvez a minha falta de treino no campo do thriller ou das séries e filmes policiais, fizesse com que me afastasse daquilo que era suposto ser a essência do livro. Mas há também Cláudia Cruz Santos e o tom deste seu romance, a atenção dispersa por demasiados assuntos a baralhar o foco do leitor. Duvido, ainda, que a solução encontrada pela autora para “resolver” este seu romance seja consensual, mas outros leitores haverá que o possam julgar melhor que eu. 

Sem comentários:

Enviar um comentário