A celebrar 25 anos de actividade artística, o Drumming - Grupo de Percussão regressou à obra-talismã de Steve Reich, um dos criadores maiores da chamada música minimal / repetitiva, cuja energia rítmica, clareza formal e poder comunicativo abriram novas vias para a modernidade sem recorrer a complexidades opacas. No concerto do passado sábado, no bonito espaço do Barrão da Casa de Mateus, o grupo propôs uma retrospectiva concisa que percorreu diferentes fases do universo de Reich, com a percussão, o seu instrumento, em diálogo com dois pianos. Encomendada especificamente para uma coreógrafa e para um filme, “Dance Patterns” (2002), abriu o concerto da melhor forma, dando a ouvir o estilo minimalista característico de Reich, com padrões repetitivos, deslocamentos rítmicos (phasing) e uma estrutura clara, matemática e hipnótica. Embora breve e menos conhecida que as grandes peças como “Music for 18 Musicians” [ver crítica AQUI], “Dance Patterns” impressionou os presentes pelo seu ritmo intenso e clareza estrutural, ao mesmo tempo que chamou a atenção para a qualidade interpretativa dos músicos, capazes de recriar uma música envolvente e complexa mesmo em formatos mais concisos.
Percussionista de renome Tim Ferchen assinou “Three Marimba Duets: I”, o segundo momento do concerto. A escolha deste compositor teve a ver, conforme explicou Miquel Bernat, director artístico do Drumming GP, com a colaboração estreita que manteve com Steve Reich, mas também com a oportunidade de ampliar o repertório do grupo (quando Bernat chegou a Portugal, em 1998, havia apenas duas obras para percussão erudita disponíveis; hoje são mais de 170). A peça parte da diversidade de interpretações que uma determinada composição pode suscitar e a sua interpretação, desafiante a todos os títulos, pôs os dois músicos a pensar como uma só pessoa, soando como as mãos direita e esquerda de um pianista só. “Music for Pieces of Wood” (1973) foi um momento encantador, aquele que mereceu do público o mais sentido aplauso. Composição para cinco músicos, usando claves afinadas, a peça apresenta uma estrutura rítmica baseada em “construções”, substituindo as pausas por tempos. Steve Reich escreveu-a para criar música a partir dos instrumentos mais simples, como a sua obra anterior, “Clapping Music”, e a sua complexidade rítmica transforma-a numa das obras mais notáveis do compositor.
“Sextet” (1984), originalmente intitulada “Música para Percussão e Teclados”, foi a peça escolhida para encerrar o concerto. Estruturada em cinco andamentos contínuos, a peça oscila entre ritmos rápidos, moderados e lentos, com mudanças súbitas de tempo através de modulação métrica. Reich procurou ultrapassar os limites naturais da percussão - sons breves e efémeros - explorando o vibrafone com arco como voz contínua e reforçando os registos graves com piano, sintetizador e bombo. Esta combinação cria texturas mais ricas, especialmente nos andamentos centrais, onde o acompanhamento se transforma em melodia e vice-versa. A composição retoma técnicas presentes em obras anteriores: a substituição de batidas por silêncios pra gerar tensão, cânones em velocidades distintas e ambiguidades rítmicas inspiradas em tradições africanas. Mais do que confundir, estas ambiguidades transformam a percepção do ouvinte, conferindo à repetição movimento, surpresa e vitalidade. Apesar da sua curta duração, o concerto foi de uma riqueza enorme, com o público a aplaudir entusiasticamente a prestação do agrupamento, ciente de ter vivido uma experiência enriquecedora a todos os títulos, tanto pela clareza estrutural que os músicos souberam imprimir às peças, como pela sua extraordinária energia rítmica e carga expressiva.
Sem comentários:
Enviar um comentário