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sexta-feira, 3 de outubro de 2025

CINEMA: “Ernest Cole: Perdido e Achado” | Raoul Peck



CINEMA: “Ernest Cole: Perdido e Achado” / “Ernest Cole: Lost and Found”
Realização | Raoul Peck
Argumento | Ernest Cole, Raoul Peck
Fotografia | Wolfgang Held, Moses Tau
Montagem | Alexandra Strauss
Interpretação | LaKeith Stanfield, Ernest Cole, Leslie Matlaisane, Jürgen Schadeberg, Gerrie Hugo, Joe Mamasela, Benzien Jeffrey, Ashley Forbes, Helen Joseph
Produção | Raoul Peck, Tamara Rosemberg
França, Estados Unidos | 2024 | Documentário, Biografia, História | 105 Minutos | Maiores de 12 Anos
UCI Arrábida 20 – Sala 19
25 Set 2025 | qui | 16:00


“Na África do Sul tinha medo de ser preso, nos Estados Unidos tinha medo de ser morto.”

Ernest Cole foi uma figura seminal na história da fotografia documental, sendo o primeiro fotógrafo negro freelancer a emergir da África do Sul durante o regime brutal do apartheid. As suas imagens não só documentam as condições opressivas e desumanas impostas pelos poderes segregacionistas, mas também rompem o silêncio global em torno da injustiça racial naquele país. A sua coragem em capturar a realidade sem filtros fez dele um alvo do regime, forçando-o ao exílio nos Estados Unidos, onde continuou a sua luta pela justiça através da arte. O documentário de Raoul Peck, “Ernest Cole: Perdido e Achado”, não apenas celebra a obra artística de Cole, mas também revela a complexidade da sua vida pessoal e o impacto duradouro das suas fotografias, que permanecem tão poderosas hoje quanto na altura em que foram captadas. A descoberta recente de cerca de sessenta mil negativos guardados num cofre em Estocolmo adiciona uma dimensão inédita à sua narrativa, permitindo um olhar mais amplo sobre o seu legado e a profundidade do seu olhar crítico.

A construção do filme é uma verdadeira obra-prima do storytelling documental, combinando habilmente imagens de arquivo, fotografias inéditas e a narração emotiva de LaKeith Stanfield, que dá voz ao próprio Cole. Esta escolha narrativa permite que o espectador mergulhe não só nas condições sociais e políticas da África do Sul do século XX, mas também nos pensamentos íntimos do fotógrafo, que escreveu e reflectiu profundamente sobre o seu trabalho e as dificuldades do exílio. Peck cria um retrato multifacetado, onde o documento visual se torna também uma introspecção sobre identidade, perda e resistência. O filme transcende a mera biografia, convertendo-se numa reflexão poderosa sobre a arte como instrumento de denúncia e transformação social, e sobre o preço pessoal que a criação artística pode acarretar quando confrontada com regimes opressores.

Além do seu valor artístico e histórico, “Ernest Cole: Perdido e Achado” é uma análise dolorosa das consequências do apartheid, não só para o fotógrafo, mas para toda uma geração de sul-africanos negros que enfrentaram a repressão, o deslocamento e a invisibilidade. O documentário ilumina as tensões da vida no exílio, o sentimento de nostalgia e a luta pela preservação da memória num mundo que, a cada novo dia, parece obstinado em reescrever a História e em passar um pano sobre os factos mais incómodos. A redescoberta dos negativos esquecidos dá voz a um arquivo silenciado e celebra a importância da memória cultural na resistência contra a opressão. Apesar de algumas irregularidades no ritmo narrativo, sobretudo na sua parte final, o filme é uma peça fundamental para entender a intersecção entre arte, história e direitos humanos, tornando-se uma obra indispensável para quem valoriza o poder da fotografia como forma de justiça social e como testemunho eterno da humanidade.

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