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segunda-feira, 28 de julho de 2025

CONCERTO: Pedro Moutinho



CONCERTO: Pedro Moutinho
Com | André Dias (guitarra portuguesa), Pedro Soares (guitarra), Ni Ferreirinha (baixo acústico), Pedro Moutinho (voz)
Festival do Pão de Ló de Ovar
Jardim Almeida Garrett
26 Jul 2025 | sab | 21:30


Em jeito de lançamento dos dois concertos que preencheram uma boa parte do programa do terceiro dia do Festival do Pão de Ló de Ovar, a tarde do passado sábado foi dedicada “à escuta do fado”, conversa integrada no extraordinário projecto que é o InOvar as Letras - À Escuta da Literatura. Neste seu desígnio de criar laços entre a música popular e a chamada música erudita, a “tertúlia de fado”, moderada por Ana Isabel Nistal Freijo, mostrou-se particularmente oportuna, não apenas pela possibilidade de reunir à volta do tema três personalidades fortemente envolvidas com o fado, mas também porque Ovar é uma referência no género, como Dino Marques tão bem lembrou ao mencionar os nomes do letrista António Campos e dos fadistas Clara d’Ovar, Zeni d’Ovar e Maria Albertina. Em ambiente descontraído, entre histórias e memórias, muitos temas vieram à baila, das diferenças entre o fado de Lisboa e o de Coimbra à experiência colectiva singular que são as casas de fado, de referências tão importantes como Ana Rosmaninho, Francisco Maurício, Alfredo Marceneiro ou Carlos Rocha, à constatação de que “os fados são primos”.

Coube a Pedro Moutinho a responsabilidade de preencher o serão, com um concerto feito de temas tradicionais do fado e uma ou outra piscadela de olho à canção dita ligeira. Nascido no seio de uma família com fortes ligações ao fado, irmão dos consagrados Hélder Moutinho e Camané, Pedro Moutinho propôs um alinhamento que percorreu uma discografia com mais de vinte anos - “Primeiro Fado” (Som Livre, 2003) foi o seu primeiro trabalho de estúdio -, fazendo as delícias do público graças ao seu talento, à emoção que se desprende da sua voz e à beleza dos temas escolhidos. “Lisboa mora aqui e as portas da cidade / Abrem-se à voz que sou com a chave duma rima”. “Lisboa Mora Aqui” foi o tema de abertura do concerto, com Pedro Moutinho a homenagear, por seu intermédio, grandes referências do fado, que viriam estender-se a Martinho d’Assunção, Carlos Rocha, Amália ou Carlos do Carmo. Conquistado, o público escutou “Maldição”, “Olhos Estranhos” e “Meu Amor sem Direcção”, atrevendo-se a dar a deixa ao fadista no refrão do “Fado da Contradição” - “se eu digo sim, tu dizes não / se eu digo não, tu dizes sim”.

Apesar de um ambiente menos adequado a escutar-se o fado nas condições que ele merece e exige, condicionando a desejável empatia entre o fadista e o público, o concerto teve momentos extraordinários, sendo de realçar a interpretação de temas como “A Rua da Esperança”, “Veio a Saudade”, “Um Resto de Mouraria” e, sobretudo, “Alfama”. Nestes, como noutros fados, ficou bem patente a apetência do artista para combinar modernidade e tradição, daí resultando um estilo único, uma assinatura inconfundível feita de talento, brilho e sentimento. Ao encontro de um universo de poemas e músicas, onde cabem os nomes de Amélia Muge, Manuela de Freitas, Maria do Rosário Pedreira, João Monge, Carminho, Teresinha Landeiro, Tiago Torres da Silva, Hélder Moutinho ou Aldina Duarte, Pedro Moutinho fez do tempo do concerto uma viagem por ruas e becos da cidade branca, narrando uma delicada história onde se cruzam saudades e maldições, amores e contradições, imprevistos e inquietações. Os músicos cotaram-se a bom nível e os dois temas do “encore” foram particularmente aplaudidos. As raras e delicadas nuances do fado a fazerem as delícias de muitos, que nem só de Pão de Ló vive o homem.

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