CINEMA: “Verdades Difíceis” / “Hard Truths”
Realização | Mike Leigh
Argumento | Mike Leigh
Fotografia | Dick Pope
Montagem | Tania Reddin
Interpretação | Marianne Jean-Baptiste, Michele Austin, David Webber, Tuwaine Barrett, Ani Nelson, Sophia Brown, Jonathan Livingstone, Jo Martin, Llewella Gideon, Yvette Boakye, Chinenye Ezeudu, Diana Yekinni, Elliot Edusah, Tiwa Lade, Samantha Spiro
Produção | Georgina Lowe
Reino Unido, Espanha | 2024 | Comédia, Drama | 97 Minutos | Maiores de 12 Anos
UCI Arrábida – Sala 9
28 Jul 2025 | seg | 16:40
“Verdades Difíceis” narra a história de Pansy Deacon, uma mulher em luta com os seus demónios interiores e que constantemente despeja a sua fúria sobre os que a rodeiam. Em clima de permanente tensão e desconforto, a gritaria com o marido Curtley e o filho Moses mergulha a família numa vida de conflito latente e numa enorme tristeza. Percebe-se que o comportamento de Pansy tem causas profundas e que a ansiedade e a depressão condicionam fortemente o estado mental da mulher. Momentos há, porém, em que a mágoa ou o medo transparecem no seu rosto, deixando claro que a sua atitude para com os outros nada tem a ver com pura maldade. Os rituais obsessivos de limpeza, as fortes dores de cabeça ou os problemas digestivos, a tendência para dormir o dia todo, são sintoma de compulsões decorrentes de uma enorme angústia. A deterioração da sua vida familiar e das relações de amizade surge como consequência directa de uma mente em sofrimento, sendo perceptível a fragilidade que se esconde por detrás de tanta agressividade.
Por intermédio de Pansy e do relacionamento com os seus familiares, Mike Leigh reflecte sobre aquilo que traz a felicidade a uns, ao passo que deixa outros mergulhados na amargura. Fá-lo sem juízos de valor sobre as falhas e fragilidades humanas, antes expondo a verdade mais crua de forma profundamente compassiva. Graças a interpretações excepcionais, tanto dos actores principais como dos secundários, e a uma realização subtil e atenta ao detalhe, “Verdades Difíceis” desdobra as muitas camadas de que se revestem as personagens do filme, desafiando o preconceito, compondo inquietações, levantando as mais densas interrogações e mantendo os espectadores profundamente envolvidos com a trama. A humanidade que se pressente por detrás da desordem exterior leva-nos a explorar a vida com rara empatia. Ao testemunhar a luta interior de Pansy — manifestações sem uma solução visível —, o espectador é convidado a partilhar as pressões que as famílias enfrentam diariamente, segurando os laços familiares por intermédio da compreensão, da aceitação e do amor.
Sólida viagem pelas incertezas e inconstâncias da felicidade, dos desafios da saúde mental e da complexidade das dinâmicas familiares, “Verdades Difíceis” é um filme tudo menos fácil. Vale a pena, porém, investir nele, transpondo a camada superficial feita de histrionismo e alguma teatralidade e mergulhando na dolorosa realidade de uma vida atormentada. É com emoção que seguimos Pansy, descobrindo que os traumas do quotidiano também são feitos de pequenas alegrias e triunfos silenciosos. Em última análise, o pendor humanista do filme faz-nos perceber que não há pessoas descartáveis, que mesmo os mais rejeitados pela sociedade podem oferecer, simplesmente com a sua presença, momentos de alívio, conforto e empatia. A impressionante capacidade de Mike Leigh de extrair significado dos pequenos nadas de que a vida é feita faz de “Verdades Difíceis”, tal como acontece com os seus anteriores filmes, uma obra de visão obrigatória. Um dos melhores filmes do ano!
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