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quarta-feira, 25 de junho de 2025

CONCERTO: ars ad hoc



CONCERTO: ars ad hoc
Com | Ricardo Carvalho (flauta), Horácio Ferreira (clarinete), Diogo Coelho (violino), Gonçalo Lélis (violoncelo), João Casimiro Almeida (piano)
FIME - Festival Internacional de Música de Espinho
Auditório de Espinho - Academia
22 Jun 2025 | dom | 18:00


Espaço para a criação e divulgação da grande música de câmara, o ars ad hoc surgiu em 2018, no contexto da “Arte no Tempo” e foca boa parte da sua actividade na interpretação de nova música para diferentes formações, interpretando e estreando, com regularidade, obras de compositores nacionais e estrangeiros, trabalhando sempre que possível em contacto directo com os criadores que, por vezes, escrevem música propositadamente para este agrupamento. Com programação de Diana Ferreira, o ars ad hoc é formado por músicos que, depois de se terem notabilizado em Portugal, complementaram os seus estudos no estrangeiro: Ricardo Carvalho (flauta), Horário Ferreira (clarinete), Diogo Coelho e Matilde Loureiro (violino), Ricardo Gaspar e Francisco Lourenço (viola) e Gonçalo Lélis (violoncelo). Foi justamente este agrupamento o convidado do Festival Internacional de Música de Espinho para fechar um fim de semana recheado de propostas aliciantes e riquíssimas a muitos títulos.

Uma vez que falei em aliciante, todos concordaremos que um recital de música de câmara dedicado aos modernismos não deixa de ser uma proposta aliciante. Proposta que o público, em muito considerável número, abraçou com entusiasmo, disposto a acompanhar a viagem musical pelos caminhos da tradição dos modernismos, contrapondo os seus primeiros passos às inovações espectralistas. “Prélude à l’après midi d’un faune”, de Claude Debussy, revelou-se uma escolha acertada num programa com um inegável cunho didáctico, já que falamos de uma peça cujo papel disruptivo no cenário musical de finais do século XIX e início do século XX é inegável, assinalando o nascimento da chamada “música moderna”. Num arranjo de Tim Mulleman, os músicos defenderam com brilhantismo uma peça irreverente e ousada na sua aparente falta de estrutura e toque quase improvisado. No bailar dos acordes, o público acompanhou com deleite as tentativas vãs de um fauno de seduzir duas ninfas, por entre o canto dos pássaros, o coaxar das rãs e a música que o próprio fauno extrai da sua flauta (notável a interpretação de Ricardo Carvalho).

Nenhuma composição do século XX se eleva com mais determinação acima das provações e tribulações terrenas do que o quarteto para violino, violoncelo, clarinete e piano que Olivier Messiaen completou e executou no campo de prisioneiros de guerra onde foi encerrado em Janeiro de 1941, o Stalag VIII A, perto de Görlitz, na Baixa Silésia. Tristan Murail quis homenagear o seu mestre, compondo alguns anos depois “Stallag VIIIa”, tema seguinte no alinhamento do concerto, interpretado pelo agrupamento com brilhantismo e que resultou numa experiência vivificadora pelo que acrescentou de diversidade modernista. Também ele aluno de Messiaen, Gerard Grisey compôs “Talea”, a terceira peça interpretada pelo ars ad hoc e cujo ímpeto dramático, textura espectral e vozes polifónicas independentes alcançou a excelência no trabalho dos músicos, com destaque para o “trovejar” do piano de João Casimiro Almeida. “Três andamentos de Pétrouchka”, de Igor Stravinsky, fechou o ciclo, acrescentando o olhar neoclassicista às tendências das composições anteriores e abrindo novos e mais vastos caminhos à Modernidade. Um enorme concerto, com um alinhamento inteligentemente trabalhado e interpretações a roçar o brilhantismo. Bravo!

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