CONCERTO: Sérgio & Os Assessores
Com | Sérgio Godinho (voz), João Cardoso (teclados, coros), Sérgio Nascimento (bateria), Nuno Espírito Santo (baixo, coros), Miguel Fevereiro (guitarras, percussão, coros) e Nuno “Rafa” Rafael (direcção musical, guitarras, coros)
Centro de Artes de Ovar
30 Abr 2025 | qua | 21:30
“Na verdade quero ser p’ra já / O número dois / P’ra me ultrapassar depois, dois, um / Eleito o rei do zum zum.” Foram estes os versos escolhidos por Sérgio Godinho para abrir o concerto que o trouxe, e aos seus assessores, ao Centro de Artes de Ovar, uma casa que conhece bem. “Famoso por ser famoso”, o artista chamou à sala os seus incondicionais e outros que tais, transformando-a num espaço emotivo, de festa e cumplicidade, repleto de um público incansável no aplauso, sedento de celebrar a música e a poesia numa altura em que passam cinquenta e um anos sobre a Revolução dos Cravos. Com mais de meio século de uma carreira sólida, de força e de luta pela defesa dos valores “da paz e do pão, da habitação, saúde e educação”, o cantautor trouxe-nos os sons e as cores da liberdade num conjunto de canções, umas mais antigas que outras, todas elas icónicas, como icónica é a sua obra. A mescla de “novo” e “menos novo”, num alinhamento inteligentemente construído, foi um dos aspectos marcantes do concerto, evidenciando a enorme coerência, homogeneidade e qualidade de uma obra intemporal, inscrita nos genes de quem não desiste de associar as suas cores às do dia inicial inteiro e limpo.
É no palco que se vê e sente a força da obra de Sérgio Godinho: Nesse espalhar a palavra que nos une, no convocar certezas que nos fazem “soltar a rolha que nos tapava a garganta”. “A minha luta não é sozinho que a faço / tem tantos no mesmo passo / braço a braço somos muitos” leva-nos a estender o olhar pela sala e a sentir o coração pequenino ao ver gente de todas as idades a cantar “com um brilhozinho nos olhos”, numa “maré alta” de sonho e ilusão. Para quem “andava há já vinte dias, ao frio, ao vento e à fome”, este reencontro sabe sempre a pouco, mas sabe sempre a tanto. Com “O Charlatão” sobe ao palco José Mário Branco, “Em Dias Consecutivos” traz consigo Bernardo Sassetti, “Ora Vejam Lá” homenageia o Conjunto António Mafra e, porque o Zeca não poderia faltar, “Os Vampiros” vêm lembrar-nos que “eles comem tudo e não deixam nada”. É um caloroso e emotivo matar saudades - “eu matar não gosto nada / mas saudades é diferente / como matar pulgas, alivia a gente” -, que o público sublinhou com a força das suas vozes e o vigor das suas palmas. Força e vigor que os músicos souberam reconhecer, estendendo o “encore” por muito saudadas quatro canções.
Nada ficou por cantar. Nada ficou por contar. Se lido à letra, a certeza seria a de que as doze horas que medeiam o tempo do concerto e o tempo em que escrevo este texto seriam horas de música e estaríamos ainda no Centro de Artes, de tal forma é vasta a discografia de Sérgio Godinho. De “Que Força é Essa?”, a “Bem-Vindo Sr. Presidente”, são dezoito álbuns de originais com muitas dezenas de temas, aos quais se devem acrescentar álbuns ao vivo e em colaboração (com José Mário Branco, Fausto, Manuela Azevedo, Jorge Palma, Galandum Galundaina e outros), colectâneas, compilações e bandas sonoras. Mas “Dancemos no Mundo”, “Cuidado com as Imitações”, “Balada da Rita”, “Quatro Quadras Soltas” e “O Primeiro Dia”, trouxeram consigo “Os Conquistadores”, “Lisboa Que Amanhece”, “É Terça Feira”, “A Vida É feita de Pequenos Nadas”, “Tantas Vezes Fui à Guerra” e tantos, tantos outros temas absolutamente fundamentais da obra de Sérgio Godinho, que os reunimos todos num só, “nas certezas do meu mais brilhante amor”. Na despedida, copo erguido, “brinda-se aos amores com vinho da casa” e deixa-se um voto para que possamos continuar a colher de Sérgio Godinho a inspiração de muitos “primeiros dias do resto das nossas vidas”.
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