EXPOSIÇÃO: Lagoa Henriques
6.ª Bienal Internacional de Arte Gaia 2025
Quinta da Fiação de Lever
05 Abr > 12 Jul 2025
“Grande parte da obra de Lagoa Henriques, talvez a mais significativa, talvez a mais reveladora, esteve à beira de soçobrar por completo num fogo impiedoso que atingiu o seu atelier, lugar de uma vida e arsenal de uma longa reflexão sobre a vida. O acaso também ajuda à formulação da história: estes desenhos mutilados, parcialmente queimados, aqui se recuperam... (...). De um lado, eles são o reflexo cintilante e sintético de uma observação infatigável da realidade exterior, do rosto, das formas, da presença humana: contam a poesia dos olhares, dos movimentos, dos ritmos da vida, o próprio sentido da amizade e da intimidade. de outro lado, porém, eles transfiguram o mundo das aparências, aproximam-se do movimento da alma, reflectem a realidade interior: contam a memória e o sonho, falam de objectos e paisagens impossíveis, narram a própria transformação.”
Rocha de Sousa, in catálogo da exposição “Desenhos Recuperados” (SNBA, Dezembro de 1972)
Numa altura em que a Bienal Internacional de Arte Gaia entra em velocidade de cruzeiro com a abertura de novos polos expositivos em Freamunde, Peso da Régua, Funchal, Esposende e Macedo de Cavaleiros, é tempo de regressar à Quinta da Fiação de Lever e apreciar o trabalho de Lagoa Henriques, o artista convidado desta sexta edição, ao qual a Bienal rende homenagem. Autor de desenhos e esculturas notáveis, poeta e conferencista, cenógrafo e colecionador, mestre e motivador de sucessivas gerações de criadores artísticos, do seu trabalho destaca-se, desde logo, a estátua de Fernando Pessoa na esplanada do café A Brasileira do Chiado, na Rua Garrett, produzida nos anos 80 e uma das obras em espaço público mais conhecidas e fotografadas do país. Mas também, entre outros, a estátua em bronze de Guerra Junqueiro na Praça de Londres e o Memorial a Antero de Quental, de pedra e aço, no Jardim do Príncipe Real, ambas igualmente em Lisboa, a União do Lis e Lena, em Leiria, o António Aleixo sentado, em Loulé, Camões e a Ilha dos Amores, em Constância, o D. Sebastião em bronze, em Esposende, ou o conjunto escultórico As Varinas, em Ovar.
Filho de um comerciante e actor amador e de uma professora primária, António Augusto Lagoa Henriques nasceu em Lisboa a 27 de Dezembro de 1923. Após concluir o curso dos liceus, pensou cursar Letras ou Direito, mas reprovou nas provas de aptidão à Universidade. Recorreu, então, a aulas particulares de Agostinho da Silva que, após ver os seus desenhos, o persuadiu a estudar Escultura. Em 1945 matriculou-se no Curso Especial de Escultura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, mudando em 1948 para a Escola de Belas Artes do Porto, onde concluiu a licenciatura com um trabalho classificado com vinte valores. Foi assistente de escultura na ESBAP e, mais tarde, professor efectivo de Desenho. Em 1966, por concurso público, passou a lecionar na ESBAL onde participou na renovação do ensino artístico, tendo instituído uma disciplina inovadora – a de Comunicação Visual. Durante a década de 90 regeu a disciplina de Desenho na Escola Superior de Conservação e Restauro de Lisboa e, em 2000, foi contratado como Professor Catedrático convidado, em regime de acumulação, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Viria a falecer a 21 de Fevereiro de 2009, vítima de doença prolongada.
Um dos aspectos que mais chama a atenção do visitante prende-se com a inesperada “bordadura” dos magníficos desenhos expostos, dir-se-ia que tocados pelo fogo. Com efeito, no princípio da década de 70, um incêndio devastador destruiu o atelier de Lagoa Henriques, numa parte dos antigos pavilhões da Exposição do Mundo Português. Num ápice desapareciam décadas de criação artística, sendo poucas as peças que se salvariam das chamas, nomeadamente desenhos que, mesmo chamuscados, viriam a ser expostos na Sociedade Nacional de Belas Artes. Alguns deles, certamente, podem ser vistos aqui, dando conta da fatalidade a que a sua obra foi submetida, mas também da capacidade de luta e imaginação de quem soube mostrar vontade de se levantar e erguer tudo de novo. Outro aspecto marcante da exposição tem a ver com a parte escultórica, com o olhar a ser atraído para um grupo de não mais de 40 cm de altura que representa duas varinas. No meu caso particular, a familiaridade com as formas da escultura levou-me a perceber que é do autor a estátua que, no Furadouro, Ovar, lembra estas bravas guerreiras do mar.
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