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sábado, 5 de abril de 2025

CONCERTO: New York Tango Trio | Richard Galliano



CONCERTO: Richard Galliano
New York Tango Trio
Com | Richard Galliano (acordeão), Adrien Moignard (guitarra), Philippe Aerts (contrabaixo)
Casa da Música
02 Abr 2025 | qua | 21:30


Richard Galliano entrou sozinho em palco à hora marcada. Após o aplauso inicial, deixou que o silêncio caísse sobre si, enquanto ajeitava nos ombros o seu acordeão. Mal deu a escutar as primeiras notas, a sensação imediata foi a de que estaríamos perante uma daquelas raras noites que se guardam para sempre no baú das mais gratas recordações. A “chanson française” derramava-se em acordes elegantes, chamando ao palco Charles Trenet e “L’Âme des Poètes” numa melodia terna e nostálgica à vez. Bastaria este tema para percebermos o porquê de o “The Guardian” se referir a ele como “o maior acordeonista vivo da actualidade” e mestre Yasuhiro Kobayashi ter afirmado a sua influência na forma como mudou o curso da história do acordeão, ao falar de “um antes e um depois de Galliano”. Ao evocar as mais complexas paisagens sonoras, as notas do seu “Victoria” arrastavam consigo, ora os sons do mar ou um dobrar de sinos, ora o canto dos pássaros ou a chuva a cair, embalando o público numa toada doce e trazendo aos lábios de alguns, num murmúrio, as palavras “Parfois on change un mot, une phrase / Et quand on est à court d’idées / On fait la la la la la la”.

Já com o guitarrista francês Adrien Moignard e o contrabaixista belga Philippe Aerts em palco, o concerto prosseguiu com um conjunto de temas que, ora evidenciavam a sensibilidade e inspiração dos respectivos compositores, ora faziam recair a atenção no virtuosismo e cumplicidade do trio. Sob o olhar grave do contrabaixo de Aerts, Galliano e Moignard iam entretecendo um apaixonado encontro entre acordeão e guitarra, feito de diálogos animados, chamamentos atrevidos, insistentes súplicas e finais felizes. Num estilo único e inteiramente pessoal, as abordagens jazzísticas a temas icónicos como “Laurita”, “NY Tango”, “Feu-Rire”, “Ma Plus Belle Histoire d’Amour” ou “Vuelvo al Sur” foram propostas de viagem pela música dos quatro cantos do globo, servindo ao mesmo tempo para prestar homenagem a Nino Rota e Astor Piazzolla, mas também a outras importantes figuras do mundo da música que deram a mão a Galliano em início de carreira e o ajudaram a afirmar-se num meio de enorme exigência, casos dos acordeonistas Joss Baselli e Andre Astier, dos cantores Claude Nougaro, Serge Reggiani e Barbara e de grandes nomes do jazz como Chet Baker, Charlie Haden, Ron Carter e Michel Portal.

Os aplausos continuaram a pontuar cada uma das interpretações, até ao momento em que Richard Galliano tocou “Moon River”, de Henri Mancini, munido de uma original melódica, composta de botões em vez de teclas. Este foi um momento capital do concerto, ao encontro do maior desejo de sempre do artista, o de colocar o acordeão no lugar que merece, fazendo-o descolar do injusto epíteto de “piano dos pobres”. Hoje, com uma carreira de mais de cinquenta anos, Galliano continua a demonstrar um imenso prazer em fazer aquilo que melhor sabe, tocando na Casa da Música para uma plateia rendida ao seu charme e génio interpretativo de temas como “Oblivion”, “Tango pour Claude” ou “Caruso”, tornados clássicos graças à sua criatividade e virtuosismo. No final houve direito a bis (infelizmente apenas um), com o concerto a terminar da melhor forma com a música, ainda e sempre, de Charles Trenet. “Que reste‐t‐il de nos amours?” foi o final perfeito de uma noite perfeita, levando o público a sair da sala com o coração aconchegado, um sorriso largo no rosto, o som daquele acordeão a vibrar (para) sempre no ouvido.

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