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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

CONCERTO: "Censurados: A Música Que Desafiou a Ditadura" | Rui David



CONCERTO: “Censurados: A Música Que Desafiou a Ditadura”
Rui David
FLO - Festival Literário de Ovar 2024
Escola de Artes e Ofícios
20 Set 2024 | sex | 22:30


O terceiro dia do FLO - Festival Literário de Ovar fechou com o concerto de Rui David, “Censurados: A Música Que Desafiou a Ditadura”. Um título que o cantor, nas breves palavras que dirigiu ao público, corrigiu para “Censurados: As Vozes Que Desafiaram a Ditadura”, ampliando a abrangência de um espectáculo que revela o quanto “a cantiga é uma arma”, mas que também se abre aos testemunhos daqueles que resistiram à brutalidade de um regime que, durante 48 anos, institucionalizou a censura, perseguiu e prendeu arbitrariamente, cultivou a miséria e o analfabetismo, limitou a liberdade de expressão e a criatividade artística e mandou os seus filhos matar em África. Jornalista de formação e músico por vocação, Rui David fez da sua paixão pela música um veículo no qual embarcámos numa viagem pelo tempo, ao encontro de muitos poetas e cantores que usavam as suas letras e músicas para, “em tempo de servidão”, sussurrar mensagens de esperança, liberdade e resistência. É de volta aos anos da ditadura que o espectáculo nos transporta, numa celebração forte e emotiva dos 50 anos do 25 de Abril.

“Não acredito que um grupo de cantores faça uma revolução, mas instilam ideias, instilam vontades e anseios que, no momento certo e levados por outras forças, essas coisas ajudam a mudar o mundo.” Os testemunhos de Alfredo Matos, José Pedro Soares, Camilo Mortágua, Diana Andringa, Edmundo Pedro e de tantos outros, abrem caminho a um conjunto de músicas e poemas que são parte de nós. Em silêncio escuta-se “Cantar de Emigração”, em coro canta-se a “Trova do Vento Que Passa”. A poesia de Manuel da Fonseca rompe a canção - “(…) Acorda, amigo, / liberta-te dessa paz podre de milagre / que existe / apenas na tua imaginação. / Abre os olhos e olha, / Abre os braços e luta! / Amigo, antes da morte vir / nasce de vez para a vida.” E logo as palavras de quem esteve preso durante vinte e um anos, de quem fez greves de apoio aos estudantes presos e acabou preso, de quem sentiu os cavalos da GNR avançar por cima de si ou de quem, aos dezasseis anos, aprendeu a saber “o que era a luta, o que era a vida, as pessoas morriam.” Os testemunhos emocionados contagiam o público. “Quem viu morrer Catarina / não perdoa a quem matou.”

O espectáculo prossegue com José Carlos Ary dos Santos a clamar que “é preciso dizer-se o que acontece / no meu país de sal” e José Afonso a cantar o “Coro da Primavera” e “Era de Noite e Levaram”, mas são de novo os testemunhos de quem esteve preso e foi torturado a tocar o público: “Eu não sabia que era humanamente possível resistir tanto”, conta Alfredo Matos, a quem José Afonso dedicou “Por Trás Daquela Janela” numa altura em que se encontrava nas cadeias da PIDE. “Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio / e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé / para ver como é; (…)”. À poesia de António Gedeão junta-se a música de Sérgio Godinho: “Que força é essa? Amigo / Que te põe de bem com outros / E de mal contigo?” E novamente a poesia, com “Ouvindo Beethoven” de José Saramago e “Notícias do Bloqueio” de Egito Gonçalves. Com o espectáculo a aproximar-se do fim, Abril abre-se em festa. Escutamos Sophia - “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo” - e escutamos Fausto - “Atrás dos Tempos vêm Tempos”. Escutamos, também, Chico Buarque e com ele cantamos: “Foi bonita a festa, pá”!

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