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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

LUGARES: Museu Fábrica da História - Arroz



LUGARES: Museu Fábrica da História - Arroz
Rua Dr. Dionísio de Moura, 5 - Estarreja
Horários | De terça-feira a sábado, das 10:00 às 18:00
Ingressos | Entrada gratuita


“São duzentas mulheres. Cantam não sei que mágoa
Que se debruça e já não mostra o rosto.
Cantam, plantadas n’água,
Ao sol e à monda neste mês de Agosto.

Cantam o Norte e o Sul duma só vez.
Cantam baixo, e parece
Que na raíz humana dos seus pés
Qualquer coisa apodrece.”

Miguel Torga

“O verde do arroz é o mais belo da natureza”. É Anabela Amorim quem o afirma, comparando a história do cultivo do arroz com a sua própria estória, “alguém que, transplantada, ganhou raízes numa região em que o lodo e a terra, a água e o céu, são as bases de um ecossistema único. Uma história da identidade do Baixo Vouga Lagunar (e)ternamente escrita com amor, sonho e muita resiliência.” Recupero estas palavras de um muito belo texto, editado aquando da inauguração do Museu Fábrica da História - Arroz, em Estarreja. Um texto de cariz pessoal, mas que espelha o viver e o sentir das gentes de Estarreja perante uma das marcas identitárias do seu território. Está dado o mote para uma visita ao mais recente equipamento cultural do Município, aberto ao público desde o passado dia 14 de Setembro e que tem para oferecer um mundo de saberes único, feito de histórias e memórias alicerçadas no “delicioso e gomoso bago único”, invólucro minúsculo onde cabem “anos, gerações, trabalhos, sonhos, desilusões, esperanças, vidas, amor.”

Entramos no Museu Fábrica da História - Arroz por uma rampa que conduz à recepção. Amplo, o espaço convida a uma pausa, adivinhando-se nas suas paredes robustas, em pedra viva, aquilo que foi a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja. A fábrica principiou a laborar no dia 17 de Janeiro de 1922, época áurea do cultivo do arroz em toda a vasta região do Baixo Vouga Lagunar, encerrando definitivamente no final da década de 80, mas com um pouco de imaginação talvez ainda se consigam escutar as sons próprios da sua maquinaria, as conversas dos trabalhadores, as manobras dos vagões de carga na vizinha estação de caminho de ferro, a sirene da fábrica que, quatro vezes ao dia, assinalava o início e o fim da jornada de trabalho. Num dos espaços do átrio, uma curiosa instalação prende a atenção do visitante. Simulando a planta do arroz, dezenas de lâmpadas vão mudando de cor, marcando o ritmo do trabalho nos arrozais, os ambientes diurnos e nocturnos, a marcha inexorável do tempo que, no caso concreto, vai da sementeira ao cereal cozinhado e servido das mais variadas formas à mesa de cada um.

A palavra cabe agora a Juliana Cunha, coordenadora do espaço e figura vital nos processos de levantamento documental, implementação física e ordenamento museológico. Combinando um vasto conhecimento com a paixão que nutre por uma casa que sente como sua, começa por chamar a atenção para os belíssimos versos de Miguel Torga que recebem o visitante na subida ao piso superior. Aí somos brindados com um conjunto de painéis explicativos, harmoniosamente dispostos numa sequência envolvente, que nos levam ao encontro do arroz como símbolo de vida e prosperidade, do seu papel na alimentação, valor ecológico, importância económica e outras curiosidades. Uma velha debulhadora, um relógio de parede ou um maço de notas de mil escudos fazem brotar histórias mirabolantes, que Juliana Cunha partilha com emoção. Fundador da fábrica de descasque de arroz - a “Hidra-Eléctrica” de Estarreja -, Carlos Marques Rodrigues merece uma particular referência pela sua visão empreendedora e engenho. A construção da “turbina”, central de energia eléctrica situada no lugar da Quinta da Costa, é disso um bom exemplo, levando a fama da sua actividade aos centros de maior expansão.

Deixarmo-nos guiar ao longo do bonito e bem cuidado espaço é estar disponível para abraçar uma história que tem no território favorável, na água abundante e num povo de labor os impulsos perfeitos para alavancar a orizicultura na região. É saber que estamos perante o terceiro cereal mais produzido no mundo, o mais usado na alimentação humana e, também, que Portugal é o maior consumidor europeu de arroz. É ver que o arroz é trabalho, mas também pausa e animação. É “tropeçar” nos nomes dos equipamentos usados no processo de descasque, do classificador à tarára de limpeza, do branqueador ao separador paddy. É, enfim, escutar os testemunhos daqueles que à fábrica dedicaram parte das suas vidas, percebendo o seu envolvimento com um património que urge preservar. “De sabor único e bago sublime, o cultivo do cereal em território estarrejense é um reencontro com as técnicas, os métodos e os saberes tradicionais, e uma perfeita simbiose entre o homem e a natureza.” No início do próximo ano, será possível complementar a visita com uma aventura gastronómica no Restaurante que se prevê implementar no piso superior. Até lá, saboreie-se o que oferece o Museu Fábrica da História - Arroz, um espaço que tanto prazer nos dá.

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