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sábado, 22 de junho de 2024

TERTÚLIA LITERÁRIA: "Conversas às 5" | Aurelino Costa e Francisco Bereny Domingues



TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5”,
com Aurelino Costa
Participação especial | Francisco Bereny Domingues
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Centro de Reabilitação do Norte
20 Jun 2024 | qui | 17:00


Diz quem esteve lá que foi mágico e, apesar de suspeito, só posso concordar com todos quantos tiveram a oportunidade de assistir à décima quinta sessão das Tertúlias Literárias “Conversas às 5”. Promovido pelo Centro de Reabilitação do Norte, o evento contou com dois convidados de excepção, que generosamente partilharam a sua arte e engenho, o seu saber e experiência, nas linhas de um poema e nas notas de uma partitura. Aurelino Costa e Francisco Bereny Domingues ofereceram um recital absolutamente inolvidável, combinando a poesia e a música em quadros apaixonantes e plenos de significado. “Dois mundos absolutamente ligados”, como fizeram questão de frisar, e que se abriram em intensidade e beleza aos presentes num ambiente intimista, fraterno e cúmplice, de convite à reflexão, tintado de azul do céu e de verde do mar.

“Como se fosse uma liturgia”, o recital fluiu nas asas do improviso, com os poemas e a música a mostrarem-se individualmente ou a despontarem “de mãos dadas”. Às “Canciones Populares Catalanas”, com arranjo de Miguel Llobet, foi Francisco Bereny Domingues buscar duas preciosas peças, “El Testament d’Amelia” e “Cançó de Lladre”, abrindo o recital com sensibilidade e emoção. “As palavras adormeceram / na madrugada em que partiste”, declama o poeta que lança o olhar sobre “dedos entrelaçados sem laços” e “barcos ancoradas neste nó de garganta”. De novo a guitarra, que nos traz “A Voz das Estações”, composição inspirada de Ricardo Abreu e que abre caminho ao amor num soneto de Camões: “Busque Amor novas artes, novo engenho, / para matar me, e novas esquivanças; / que não pode tirar me as esperanças, / que mal me tirará o que eu não tenho.”

Ainda não se extinguiu o eco do poema e já outro se perfila, feito de mar e vento. Aurelino Costa prossegue. Ergue a voz e traz-nos Manuel Alegre num sentido “Fado para um Amor Ausente” - “Meu amor disse que eu tinha / Uns olhos como gaivotas / E uma boca onde começa / O mar de todas as rotas”. Com a guitarra por companhia, não se detém e abraça Eugénio de Andrade, “como se houvesse nuvens sobre nuvens / e sobre as nuvens mar perfeito”. Estamos num hospital e metade da plateia são doentes, mas a doença ficou lá longe, ao fundo do corredor. Uma estranha paz instala-se na sala e todos se sentem como que irmanados pelo poder mágico da poesia e da música. Serenamos ao escutar Ricardo Abreu, agora com esse precioso andamento que é “Pequeno Canto da Primavera” e já Aurelino Costa nos convida a escutar “À Beleza”, de Miguel Torga - “Não tens corpo, nem pátria, nem família, / Não te curvas ao jugo dos tiranos. / Não tens preço na terra dos humanos, / Nem o tempo te rói. / És a essência dos anos, / O que vem e o que foi.”

De um recital absolutamente sublime, dois momentos há que importa destacar. Primeiro, os “Recuerdos de la Alhambra”, de Francisco Tarregá, peça interpretada com profunda emoção, a fazer vibrar as cordas da alma de todos os presentes. E, logo de seguida, o segundo poema de “Lusitânia no Bairro Latino”, de António Nobre, declamado de forma magistral, as palavras a tocarem o mar ali em frente, as lanchas dos poveiros que se avistam e que “a pouco e pouco (…) vão saindo / (Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar…)”. “Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com Ele / Por esse mar de Cristo… / Adeus! adeus! adeus!”. Aurelino Costa carrega de intensidade e emoção o poema, dramatiza, abre os braços, estende a vista muito além do horizonte e os olhos brilham quando fala do “Zé da Clara, os Remelgados / o Jeques, o Pardal, na Nam te perdes.”

“Canção e Dança”, de António Ruiz-Pipó, e “Folias”, de Gaspar Sanz, são temas que se misturam e confundem com “É comovente, a tua poesia” e “Pedras com mãos de homens que morreram”, dois poemas que Aurelino Costa retira do seu livro “Domingo no Corpo”. O recital aproxima-se do fim mas há tempo ainda para escutarmos “Poema para minha mãe” - Uma primavera dentro de nós / desde aquele dia em que teu corpo se abriu e a flor despontou” - e “Tiento”, de Maurice Ohana, a guitarra de Francisco Bereny Domingues a fazer uma derradeira incursão pelo mundo dos sentidos e a convocar as mais profundas emoções. Hoje entra o Verão, alguém lembra, mas mesmo no pino do Inverno os nossos corações estariam quentes e felizes, no aconchego de tão ricas palavras, de música tão inspiradora. Não iremos esquecer tão cedo os momentos de partilha que nos transportaram a dimensões do domínio do espiritual. Momentos que aliviam, que tratam, que curam. Momentos dos quais, todos, tanto precisamos.

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