CONCERTO: L. U. M. E.
Ovar em Jazz 2024
Centro de Arte de Ovar
18 Abr 2024 | qui | 21:30
Nascido em 2006 da vontade e do crer de Marco Barroso, o projecto L.U.M.E. (Lisbon Underground Music Ensemble) preencheu o programa da segunda noite do Ovar em Jazz 2024. Atendendo à presença em palco de quinze instrumentistas, é legitimo pensar que esta foi “a noite da big band”, o que não deixa de ser verdade. Mas aquilo que o público pôde escutar foi um agrupamento que ostenta a particularidade de saber distanciar-se dos padrões convencionais do “bigbandismo”, reformulando-lhe o património natural e alargando os seus horizontes ao acrescentar-lhe estéticas novas, assentes na irreverência da abordagem e nos ritmos não lineares. Original, provocadora e desafiante, a música do L. U. M. E. revelou-se um deslocar constante entre a dramatização, muitas vezes irónica, das práticas e vocabulários do jazz, e o experimentalismo, numa espécie de caleidoscópio onde se percebe a efervescência criativa do ensemble nessa tensão constante entre a composição e o improviso.
A surpresa foi a nota dominante nos momentos iniciais do concerto. Sobretudo para aqueles que tiveram o privilégio de assistir à primeira noite do Ovar em Jazz, a “mudança de chip” foi tudo menos fácil. Passar da caixa de palco para [uma música] “fora da caixa” levou a que a adesão não fosse imediata – Mário Barroso chegou mesmo a dizer, não sem uma pontinha de ironia, que “este público não vai lá com duas cantigas” – e entre o estranhamento o entranhamento, o concerto terá merecido as mais diversas apreciações. Já com algum distanciamento, a avaliação que se faz acaba por ser muito positiva e, se falei de estranhamento, a conclusão é que foi um estranhamento bom. “L.U.M.E. que arde sem se ver”, a música soube assentar, acabando por se impor e deixar a certeza de que o tempo do concerto não foi perdido. Enérgica e atrevida, foi direita aos sentidos, num apelo ao sinesteta que há em cada um de nós. E desfez-se em gosto e em gesto, em raios de luz e pele de galinha.
A apresentar “Las Californias”, o seu mais recente trabalho discográfico, o projecto L. U. M. E. fez incidir no novo disco os três primeiros temas interpretados. Impulsionados pela bateria de Diogo Alexandre, os músicos impuseram a sua individualidade, chegando a ser desconcertante a forma como cada um contribui com a sua autonomia e rigor para um resultado de conjunto refrescante e livre. O solo inaugural de Tomás Marques, um prolongado grito do seu saxofone alto, pode servir de mote aos vários solos que se lhe seguiram em temas posteriores, com destaque para as prestações de João Silva (trompete), Rúben da Luz (trombone), Gonçalo Prazeres (saxofone tenor), Paulo Gaspar (clarinete) e, claro, Marco Barroso (piano). Sequência de pequenas peças, “AM fantasies” trouxe-nos os primórdios do jazz, Dr. Tulp ofereceu-nos (a “violência gráfica” de) uma aula de anatomia e “Freestyle boogie” e “Lux”, recuperados do extraordinário álbum de estreia, foram momentos de ritmo e energia contagiantes. “Bugalu”, já no encore, fechou da melhor forma uma noite que não deixou ninguém indiferente.
[Foto: Ovar/Cultura]
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