CONCERTO: “Casca de Noz” | Miguel Araújo
Centro de Arte de Ovar
22 Mar 2024 | sex | 21:30
Depois de ter percorrido o país com o seu “Casca de Noz”, em duas temporadas de enorme sucesso, Miguel Araújo regressou à estrada neste início de 2024 para novo ciclo de concertos em que a proximidade com o público é vector primordial. O conceito é o mesmo desde a primeira hora: sozinho em palco, rodeado do seu piano e das suas guitarras, o cantor e compositor partilha temas seus e de outros cantores, inéditos uns e quase “hinos nacionais” outros. Fala da origem das suas músicas e das histórias a elas associadas, mostra os seus extraordinários dotes de comunicador, puxa pelo público e põe a sala a entoar em uníssono os temas mais emblemáticos da sua carreira. Em Ovar não foi diferente. Numa sala apinhada, Miguel Araújo mostrou-se igual a si próprio, “frágil e resistente ao mesmo tempo”, tal como uma casca de noz. De tema em tema, levou-nos numa viagem por caminhos de acaso e inspiração, rimas fáceis e transpiração, almoços de amigos, digressões épicas, cês cedilhados e dores de corno. E nós lá fomos, cantando e batendo palmas, fazendo coro e embarcando nos “discos pedidos”. Espirrando e tossindo nos momentos mais inconvenientes, as gargantas e os narizes tomados por partículas do Deserto do Saara. E aplaudindo - muito! - , porque os diamantes são eternos.
“De Volta Pro Aconchego” abriu o concerto e “Talvez se eu Dançasse” colocou-lhe um ponto final. Percebe-se a intencionalidade da escolha, espécie de conteúdo programático que afirma, em simultâneo, o palco e o público como espaço íntimo, de “aconchego”, e a “perfeita noção” que Miguel Araújo tem de si, como se ninguém o ouvisse cantar, “como se ninguém contasse os compassos”. Sentado ao piano, o artista começou por oferecer um conjunto de baladas menos conhecidas, arrastando o concerto para o campo do “desconcerto”. Ansioso por romper a garganta com canções mil vezes cantadas, o público não pareceu rendido às graças de Salomão ou às Canções da Rádio, ao céu azul de Sofia ou à lua em Sagitário, tão frouxas foram as palmas nesta meia hora inicial. E, contudo, este foi um momento de imensa felicidade, a beleza dos poemas a impor-se como marca indelével deste enorme escritor de canções, o mergulhar nos sentimentos mais íntimos, na riqueza da verdade de cada um, nas emoções repartidas entre sinais de fumo e paraísos perdidos, em câmara lenta como na TV.
Foi com “A Incrível História de Gabriela de Jesus” que as hostes começaram a animar-se e se ouviram as primeiras palmas a compasso, já depois de Miguel Araújo ter trocado o piano pela guitarra. Com entusiasmo escutaram-se temas inéditos (ou quase), mas o delírio veio com os muitos outros que nos estão colados à pele. Fala-se numa “Recantiga” ou num “Catavento da Sé”, numa “Balada Astral” ou num “Pica do Sete” e as letras surgem espontaneamente na ponta da língua, às mancheias, prontas a abraçar a música e a serem cantadas. Nesta toada prosseguiu o concerto, com um Miguel Araújo a sentir-se em casa e a abrir ao público a sua faceta de grande comunicador. Até ao final foi um desfiar de preciosidades, com “Lua” a surgir a pedido do público, seguindo-se “Dona Laura”, “Nos Desenhos Animados”, “Anda Comigo Ver os Aviões” (com o brinde de um prolongadíssimo e inspiradíssimo solo de guitarra) e ainda esse tema que está a fazer furor, cantado com os Quatro e Meia, e que é “Saudade”. Em todos eles a mesma doçura, a mesma emoção, a mesma envolvência, que fazem com um concerto de Miguel Araújo seja sempre algo de muito especial. O serão acabou em apoteose com “Talvez se eu Dançasse”, o final perfeito de uma noite perfeita. Uma mais alta versão de todos e de cada um dos presentes, em quase duas horas únicas, para sempre recordar.
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