EXPOSIÇÃO DE PINTURA: “Aleppo / Estrela Vermelha”,
de José Maria Bustorff
Coordenação artística | Fernando Mora Ramos
Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha
20 Jan > 30 Mar 2024
“Julgo que tenho o mesmo tipo de atracção pela arte africana que o Picasso teve quando a descobriu numa exposição mundial em Paris. Sinto a mesma atracção e estive lá, em África, vi-os a fazer aquilo e reflecti sobre isso. Aquelas obras, independentemente do período em que foram produzidas, independentemente de serem antigas ou novas, são sempre espirituais. Essa é que é a grande atracção, a espiritualidade de uma escultura africana.”
José Maria Bustorff
As grandes exposições não são um exclusivo dos grandes centros. Prova disso é “Aleppo / Estrela Vermelha”, extraordinária mostra de pintura de José Maria Bustorff (Jochen Maria Bustorff, 1941), que pode ser vista no piso inferior do Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha. Habilmente dispostos, como se de autênticos cenários se tratasse - ou não estivesse por trás desta exposição o “dedo” do Teatro da Rainha -, os trabalhos são representativos de uma longa e produtiva carreira, iniciada em finais da década de 1970 em casa do cantor e compositor José Afonso, de quem Bustorff era amigo. Nesses tempos exaltantes, de forte apego aos valores da liberdade e da democracia, o “figurativo heróico” animava uma pintura a dar os primeiros passos e na qual era evidente o forte cunho político. Para trás ficava um percurso marcado pela errância, com o curso na Escola Superior de Belas Artes de Hamburgo a surgir tardiamente e com o desenho, documental e diarístico, a representar um papel primordial nos fundamentos da carreira do artista.
Penetramos na vasta galeria de exposições do CCC e, antes mesmo de percebermos o quão significativas são as muitas composições que se oferecem ao nosso olhar, somos tomados pela força, riqueza e harmonia da cor. A sua intensidade reveste de energia e vida um mundo pictórico que se apresenta como espelho do mundo real, ora belo e tranquilo, ora bárbaro e desumano. Mergulhemos, então, na realidade que nos rodeia, dando conta, tal como Henrique Manuel Bento Fialho tão bem refere no Programa que acompanha a exposição [AQUI], que “Bustorff é um observador participante, os seus quadros representam tanto o que vê como o que sente por se misturar entre os motivos daquilo que pinta.” Está neste caso “Mais um Massacre” (2019), composição que nos coloca perante a visão crua de uma cena mil vezes repetida, em Bucha como em Gaza, em Port-au-Prince como em Aleppo. Da mesma forma que estão as representações que cruzam a morte de Che Guevara com a reunião de Churchill, Eisenhower e Stalin em Ialta, ou um banho de sangue em Aleppo com a matança do porco na Cooperativa Agrícola Estrela Vermelha, nos tempos da Reforma Agrária.
As referências artísticas de José Maria Bustorff estão presentes de forma vincada na sua pintura. No já referido “Mais um Massacre”, percebemos Goya e o seu “El tres de mayo de 1808 en Madrid”. “Contra a Corrente” oferece-nos a ilusão de um Matisse e“Como Aproximar-se?” traz-nos Gauguin. Aqui e ali vemos o traço de Picasso, Munch ou David Hockney. De forma explícita, “Ai Weiwei com o Filho na Abundância Exótica” também se passeia por aqui. Em grande formato ou de dimensões menores, os retratos são igualmente preciosos, sugerindo terem nascido de fotografias ou dos desenhos feitos anteriormente pelo artista, nomeadamente aqueles que remetem para vivências no Sudão ou na Namíbia. São recorrentes as composições onde é patente o fascínio pela cultura africana, nomeadamente no conjunto de grandes dimensões que se destaca numa das paredes da galeria, intitulado “O Remador Solitário”, ou nessa desconcertante “ilha” preenchida por esculturas e máscaras africanas, que são parte do acervo do pintor. Contextualizando a obra de José Maria Bustorff, há ainda um pequeno filme de Raquel Capitão e fotografias do atelier do pintor, da autoria de Paulo Nuno Silva.
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