CONCERTO: “Time Poetries”
Drumming GP
Direcção artística | Miquel Bernat
Auditório de Espinho - Academia
16 Fev 2024 | sex | 21:30
Sexta-feira, 14h30. Estou no interior de uma relojoaria. Enquanto aguardo que me consertem os óculos, observo as inúmeras peças que me rodeiam. De pé ou de parede, de linhas sóbrias ou “barroquíssimos”, enormes ou de dimensões reduzidas, em madeira ou metal (ou ambos), estes relógios são verdadeiras obras de arte a convocar outros tempos, quiçá mais leves e pausados. De súbito, escuto um bater da meia-hora. E logo outro, e outro, e mais outro, ainda. O relojoeiro concertou o bater de cada um deles para que não o façam em simultâneo. Durante um par de minutos, é como se estivesse num auditório, brindado com uma verdadeira sinfonia à qual não falta o distinto cantar do cuco. Sexta-feira, 21h30. O auditório abre-se à música e ao tempo. Apesar das naturais diferenças, são inúmeros os pontos de contacto entre esta música e a “música” escutada ao início da tarde: A cadência é precisa, a harmonia faz-se contemplação, o ritmo impõe-se sobre todas as coisas. O compositor é um mestre relojoeiro e os músicos são artífices do tempo. O momento é mágico e mais mágico se torna quando volto a ouvir, no percutir das baquetas de Miquel Bernat, um cuco a cantar.
Composto por Carlos Guedes, “Time Poetries” teve no Auditório de Espinho a sua estreia nacional. Inspirando-se nas dinâmicas do tempo e na sua relação com o espaço – o segundo dos cinco andamentos intitula-se, muito justamente, “Euclidean imbalance” –, o compositor criou “um ciclo de peças para quarteto de lâminas e pequenos instrumentos de percussão e electrónica, sob suporte fixo, que exploram a passagem do tempo em música”. Ao longo de quase uma hora, o público é convidado a “pesar” o tempo, a valorizar o audível tanto quanto o silêncio, a sentir o seu pulsar, como acelera ou se distende, se faz onda e se desfaz, até recomeçar tudo de novo, uma e outra vez. Na relação entre o compositor, a sua obra e o público, o Drumming Grupo de Percussão – com Miquel Bernat, André Dias, Pedro Góis e João Miguel Braga Simões – foi o mediador perfeito, evidenciando uma notável atitude performativa em peças de enorme exigência, e valorizando-a com um elevado sentido coreográfico na abordagem aos vários instrumentos e nas passagens entre as peças.
Quem teve a oportunidade de assistir, neste mesmo auditório, aos inesquecíveis “Music for 18 Musicais”, de Steve Reich, e “Timber”, de Roberto Olivan, sabe do que o Drumming GP é capaz. “Vocacionado para a música contemporânea e de portas abertas a todos os mundos sonoros”, este agrupamento destaca-se pela qualidade das suas interpretações e pela relação cúmplice que sabe estabelecer com o público, assente em propostas ousadas e inovadoras. O concerto da passada sexta-feira é paradigmático da qualidade e coerência do grupo, nessa entrega apaixonada à música de Carlos Guedes, acrescentando-lhe magia como é apanágio dos grandes intérpretes e enriquecendo-a com uma componente cénica de belo efeito. “Viagem hipnótica”, tal era a proposta do Drumming GP, “induzindo [nos ouvintes] estados de transe e explorando sonoridades que evocam a música psicadélica”. Pressupostos que foram completamente atingidos, fazendo do tempo do concerto um tempo de sedução, fascínio e poesia.
[Foto: Auditório de Espinho - Academia | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
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