CINEMA: “Anatomia de uma Queda” / “Anatomie d’une Chute”
Realização | Justine Triet
Argumento | Justine Triet, Arthur Harari
Fotografia | Simon Beaufils
Montagem | Laurent Sénéchal
Interpretação | Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado-Graner, Antoine Reinartz, Samuel Theis, Jehnny Beth, Saadia Bentaïeb, Camille Rutherford, Anne Rotger, Sophie Fillières, Julien Comte, Pierre-François Garel, Savannah Rol, Ilies Kadri, Sacha Wolff, Messi
Produção | Marie-Ange Luciani, David Thion
França | 2023 | Crime, Drama, Thriller | 151 Minutos | Maiores de 12 anos
Cinemas NOS Braga Parque – Sala 7
12 Fev 2024 | qui | 14:30
As vivências felizes de Sandra Voyter com a publicação do seu novo livro são brutalmente interrompidas quando o marido é encontrado morto. A investigação policial concluiu que se tratou de um crime e Sandra é a única suspeita. Levada a julgamento, vê-se obrigada a defender-se das acusações que sobre ela impendem, procurando ao mesmo tempo proteger o filho da amarga realidade de um casamento falhado e conflituoso. De súbito, tudo se funde num enorme pesadelo, as palavras dissecadas nos seus múltiplos significados, as acções reinterpretadas para criar um retrato perturbador de como as vidas podem adquirir contornos imprevistos quando escrutinadas à lupa. Também o filho do casal precisa de saber o que poderá ter acontecido. Em tribunal ouvirá aquilo que nenhuma criança deveria ouvir sobre os pais, mesmo que ambos estivessem vivos. Agora que perdeu um deles, não é fácil decidir se acredita que a mãe é uma assassina, ou se terá de conviver com a ideia de que o pai decidiu, voluntariamente, abandonar a família com um salto mortal.
Impulsionado pela atuação poderosa de Sandra Hüller no papel de Sandra Voyter, “Anatomia de Uma Queda” coloca o espectador perante esta mulher recém-viúva forçada a lutar com a diferença entre o real e o aparente para provar a sua inocência. O filme não é tanto uma trama detectivesca, mas um drama psicológico de tribunal que explora a tensão e rejeita alardes. Construída de forma extremamente inteligente, a história flui dentro de um ritmo preciso e tem o condão de nos envolver, trazendo para dentro do filme a nossa percepção dos factos. Para além do argumento brilhante e de interpretações poderosíssimas, o que há de mais admirável neste filme - e este talvez seja o seu grande mérito, afinal -, é a forma como traz o preconceito para primeiro plano e faz dele uma peça-chave em qualquer julgamento. Porque haverá uma mulher claramente inteligente, fria e calculista, de encabeçar a lista dos suspeitos quando se trata de eleger o assassino? Porque é que uma conversa, banal nos seus pressupostos mas com uma ou outra ambiguidade, terá de ser vista como um “engate”?
Jogando nos bastidores do julgamento através de detalhes vívidos e dados a múltiplas interpretações, Justine Triet mostra apenas aquilo que quer mostrar, dispersando os pormenores de forma prosaica e pedindo que sejamos nós a reconstruir a história daquelas vidas. Tratado como um membro do júri, o espectador não tem acesso a informações que constituiriam argumentos decisivos para a solução do caso. Em vez disso, recebe um punhado de elementos que entroncam em temas relacionados com a infidelidade e a sexualidade, saúde mental, culpa, ambições de carreira e realização artística, ideias sobre como criar um filho. Sandra matou o marido ou não? Será condenada ou declarada inocente? Mergulhar na sua personalidade dar-nos-á à verdade? E seremos capazes de descobrir como foi? Estas e outras questões irão prender a nossa atenção até ao final do filme, sem termos a certeza de que irão receber uma resposta minimamente convincente. Em última análise, julgar será uma tarefa nossa e só nossa.
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