LIVRO: “Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku. Uma Biografia de Angola”,
de José Eduardo Agualusa
Edição | Francisco José Viegas
Ed. Quetzal Editores, Outubro de 2023
“ - Ficámos lá uma semana, recebendo uma série de tratamentos tradicionais, entre ervas, banhos e outros - recorda Abel. - Para alguns desses tratamentos foi necessário extrair sangue do nosso corpo. Ainda guardamos as marcas. Naquele tempo acreditávamos naquilo. Produzia um efeito psicológico terrível. O que nos garantiram é que depois dos tratamentos, nenhuma bala conseguiria furar-nos a pele. Machadada também não produziria dano algum. Se estivéssemos quase a ser capturados, só teríamos de tirar um pauzinho do bolso e de o mastigar enquanto rodopiávamos em torno de uma árvore, e com isso desapareceríamos, ficaríamos completamente invisíveis.”
“Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku”, a última obra do escritor angolano José Eduardo Agualusa, assume-se como “uma biografia de Angola”. Contributo importante para a compreensão de um conjunto de factos determinantes na construção da nação angolana e na recuperação e consolidação da sua independência, o livro assenta num conjunto de entrevistas a Abel Epalanga Chivukuvuku, histórico dirigente da UNITA (fundou o movimento em 1966, na Suíça, juntamente com Jonas Savimbi), um homem que dedicou a vida ao combate pela democratização do seu país. Um guerrilheiro e um político cuja figura e o seu destino extraordinário “evocam o passado e o presente, as exceções e as escolhas, as dificuldades experimentadas por homens livres que nunca desistiram. Por isso a sua história é também a história de Angola, olhada a partir do Bailundo, no coração da nação ovimbundo.”
Traçar o percurso histórico do Reino do Bailundo - que preservou a sua independência até 1902 - é uma das primeiras preocupações do autor. Recuperando actores e factos históricos, José Eduardo Agualusa aborda a estrutura económica e social deste enclave tão particular e mergulha na cultura e nas tradições próprias do povo ovimbundo. Esta visão inicial permite ao leitor perceber que há aqui uma clara predisposição para a afirmação de vontades em torno de matérias tão importantes como o sentimento de pertença e a luta pela liberdade e pela auto-determinação, o que faz com que o grande movimento oposicionista ao regime do MPLA se tenha fixado no Planalto do Huambo e não em qualquer outro lugar. Determinação, coragem e ambição é aquilo que vemos em Jeremias Chitunda, Miguel N’Zau Puna, Tito Chingunji, Isaías Samakuva, Abel Chivukuvuku, Jonas Savimbi e muitas outras figuras do movimento do Galo Negro, mas sobretudo um enorme orgulho fundado num passado rico de História e tradição.
A partir da “segunda morte de Abel Epalanga Chivukuvuku”, no primeiro de novembro de 1992, o autor traça um percurso que nos leva através de uma Angola mergulhada na Guerra Civil, ao encontro de jogos de interesse e de poder que implicam russos e americanos, cubanos e sul-africanos, e nos quais os angolanos são meros peões num tabuleiro da cor do sangue. À escrita cuidada e envolvente que o caracteriza, acrescenta José Eduardo Agualusa uma singular arquitectura literária que permite ao leitor acompanhar os desenvolvimentos da história como se de um romance se tratasse. Marchas de milhares de quilómetros, ciladas e jogos de bastidores, o animismo e as superstições latentes ou a enorme desconfiança que Jonas Savimbi nutria por Abel Chivukuvuku e que marcou décadas de tensão entre estas duas figuras maiores da oposição ao regime angolano, são-nos mostrados como episódios de uma saga que, do Planalto do Huambo, se estende a Luanda como a Washington, a Lubumbashi como a Kinshasa, a Lusaka como a Bicesse. Pelo que acrescenta à visão da História de Angola, este é um livro a não perder.
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