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domingo, 7 de janeiro de 2024

LIVRO: "Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku. Uma Biografia de Angola"



LIVRO: “Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku. Uma Biografia de Angola”,
de José Eduardo Agualusa
Edição | Francisco José Viegas
Ed. Quetzal Editores, Outubro de 2023


“ - Ficámos lá uma semana, recebendo uma série de tratamentos tradicionais, entre ervas, banhos e outros - recorda Abel. - Para alguns desses tratamentos foi necessário extrair sangue do nosso corpo. Ainda guardamos as marcas. Naquele tempo acreditávamos naquilo. Produzia um efeito psicológico terrível. O que nos garantiram é que depois dos tratamentos, nenhuma bala conseguiria furar-nos a pele. Machadada também não produziria dano algum. Se estivéssemos quase a ser capturados, só teríamos de tirar um pauzinho do bolso e de o mastigar enquanto rodopiávamos em torno de uma árvore, e com isso desapareceríamos, ficaríamos completamente invisíveis.”

“Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku”, a última obra do escritor angolano José Eduardo Agualusa, assume-se como “uma biografia de Angola”. Contributo importante para a compreensão de um conjunto de factos determinantes na construção da nação angolana e na recuperação e consolidação da sua independência, o livro assenta num conjunto de entrevistas a Abel Epalanga Chivukuvuku, histórico dirigente da UNITA (fundou o movimento em 1966, na Suíça, juntamente com Jonas Savimbi), um homem que dedicou a vida ao combate pela democratização do seu país. Um guerrilheiro e um político cuja figura e o seu destino extraordinário “evocam o passado e o presente, as exceções e as escolhas, as dificuldades experimentadas por homens livres que nunca desistiram. Por isso a sua história é também a história de Angola, olhada a partir do Bailundo, no coração da nação ovimbundo.”

Traçar o percurso histórico do Reino do Bailundo - que preservou a sua independência até 1902 - é uma das primeiras preocupações do autor. Recuperando actores e factos históricos, José Eduardo Agualusa aborda a estrutura económica e social deste enclave tão particular e mergulha na cultura e nas tradições próprias do povo ovimbundo. Esta visão inicial permite ao leitor perceber que há aqui uma clara predisposição para a afirmação de vontades em torno de matérias tão importantes como o sentimento de pertença e a luta pela liberdade e pela auto-determinação, o que faz com que o grande movimento oposicionista ao regime do MPLA se tenha fixado no Planalto do Huambo e não em qualquer outro lugar. Determinação, coragem e ambição é aquilo que vemos em Jeremias Chitunda, Miguel N’Zau Puna, Tito Chingunji, Isaías Samakuva, Abel Chivukuvuku, Jonas Savimbi e muitas outras figuras do movimento do Galo Negro, mas sobretudo um enorme orgulho fundado num passado rico de História e tradição.

A partir da “segunda morte de Abel Epalanga Chivukuvuku”, no primeiro de novembro de 1992, o autor traça um percurso que nos leva através de uma Angola mergulhada na Guerra Civil, ao encontro de jogos de interesse e de poder que implicam russos e americanos, cubanos e sul-africanos, e nos quais os angolanos são meros peões num tabuleiro da cor do sangue. À escrita cuidada e envolvente que o caracteriza, acrescenta José Eduardo Agualusa uma singular arquitectura literária que permite ao leitor acompanhar os desenvolvimentos da história como se de um romance se tratasse. Marchas de milhares de quilómetros, ciladas e jogos de bastidores, o animismo e as superstições latentes ou a enorme desconfiança que Jonas Savimbi nutria por Abel Chivukuvuku e que marcou décadas de tensão entre estas duas figuras maiores da oposição ao regime angolano, são-nos mostrados como episódios de uma saga que, do Planalto do Huambo, se estende a Luanda como a Washington, a Lubumbashi como a Kinshasa, a Lusaka como a Bicesse. Pelo que acrescenta à visão da História de Angola, este é um livro a não perder.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

LIVRO: "As Mulheres do Meu Pai"



LIVRO: “As Mulheres do Meu Pai”,
de José Eduardo Agualusa
Ed. Quetzal Editores, 1ª edição 2007, 1ª edição Quetzal Maio de 2017


O “pai” a que se refere o título deste romance de José Eduardo Agualusa é Faustino Manso, lendário contrabaixista que deixou a sua marca nos mais importantes salões de baile da África austral, mas também nas mulheres que com ele se cruzaram ao longo de uma vida de aventura e sedução. As mulheres, como veremos, serão sete e a herança ascenderá a dezoito filhos. É na expectativa de saber um pouco mais acerca desse pai que não chegou a conhecer em vida, que Laurentina, a filha mais nova, se faz à estrada na companhia de três homens, no velho carro de um deles. Juntos irão refazer um caminho recheado de surpresas e que se revelará, acima de tudo, de descoberta interior.

Mesclando, assumidamente, a realidade e a ficção, Agualusa oferece-nos um “road book” vivo de imagens e bem humorado, onde partilha com o leitor um conjunto de apontamentos de viagem de cariz pessoal, tornados universais pela qualidade da sua escrita e pela sua imaginação excepcional. Sem nunca perder de vista a figura de Francisco Manso, é sobre cada uma das suas mulheres que Agualusa mais faz incidir a atenção, compondo com elas uma paleta de emoções tão forte e rica que é como se condensassem em si todo o viver e o sentir africano. Em simultâneo, abraça os quatro viajantes num processo catártico de confidências e revelações, mostrando que, tal como o patriarca, ninguém é verdadeiramente quem aparenta ser. Ou, fazendo uso da última frase do livro, que o fecha de forma absolutamente genial: “Nada é tão verdadeiro que não mereça ser inventado”.

Se em termos de conteúdo estamos falados, já dum ponto de vista formal o livro não merecerá nota tão elevada. E isto porque as várias entradas das personagens no livro, as suas reflexões, perspectivas, juízos e contemplações, surgem “sem aviso prévio”, gerando alguma dificuldade em perceber quem é quem, sobretudo numa fase inicial do livro. À confusão segue-se a dúvida e, não raramente, o leitor vê-se obrigado a recuar alguns capítulos para retomar o fio à meada. Para usar uma linguagem cinematográfica, diria que estamos perante um bom filme mas como uma montagem no mínimo discutível. Vencidos os “obstáculos”, é o prazer da boa leitura que vem ao de cima, o humor de Agualusa e o seu olhar irónico sobre uma certa realidade africana (sobretudo angolana) a pontuar cada capítulo, ora fazendo-nos sorrir, ora obrigando-nos a engolir em seco.