CINEMA: “As Ervas Secas” / “Kuru Otlar Üstüne”
Realização | Nuri Bilge Ceylan
Argumento | Akin Aksu, Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan
Fotografia | Cevahir Sahin, Kürsat Üresin
Montagem | Oguz Atabas, Nuri Bilge Ceylan
Interpretação | Deniz Celiloglu, Merve Dizdar, Musab Ekici, Ece Bagci, Erdem Senocak, Yüksel Aksu, Münir Can Cindoruk, Onur Berk Arslanoglu, Yildirim Gücük, Cengiz Bozkurt, S. Emrah Özdemir, Elif Ürse, Elit Andaç Çam, Nalan Kuruçim, Ferhat Akgün, Eylem Canpolat
Produção | Nuri Bilge Ceylan
Turquia | 2023 | Drama | 197 Minutos | Maiores de 14 anos
UCI Arrábida 20 - Sala 5
08 Jan 2023 | seg | 15:10
Cada vez mais recolhido em si, mais fechado numa introspecção que acolhe dramas antigos e hipóteses de uma modernidade inalcançável, o cinema de Nuri Bilge Ceylan insiste em explorar as tensões morais resultantes das desilusões do quotidiano. O cenário nevado de uma aldeia no leste da Anatólia acolhe o drama de Samet, professor primário a aguardar a tão ansiada transferência para Istambul, mas ainda assim apostado na sua dedicação e disponibilidade como forma de encarar e ultrapassar mais um frio Inverno. Uma acusação injusta feita por duas alunas contra ele e o seu colega Kenan, vem abrir um abismo nas consciências dos dois professores, de onde fluem toda a frustração e fragilidade humanas. Os ensinamentos que Samet tentava transmitir aos seus alunos passaram a ser vistos de forma diferente e a desilusão de ter sido acusado por Sevim, a menina em quem depositava as suas melhores expectativas, transforma-se num cone de sombra que compromete a relação com os seus alunos.
Anti-herói clássico de Nuri Bilge Ceylan, Samet mostra-se preso na sua enorme fragilidade, a expectativa e determinação a roçarem o absurdo e a assumirem uma dimensão pateticamente trágica que o suga num vórtice de traições, ciúmes, mesquinhez e culpa. A amargura da desilusão sofrida transforma-se numa atitude de desprezo para com alunos e colegas, o que anula qualquer possibilidade de redenção e lhe rouba a esperança no futuro. Isto significa questionar a própria amizade com Kenan e a relação que liga os dois amigos a Nuray, uma jovem professora de inglês, que regressou ao país depois de ter sido vítima de um atentado em Istambul, no qual perdeu uma perna. A presença desta figura feminina, casual e independente, oferece a Ceylan a triangulação clássica em que os seus filmes se firmam: estimulado por Nuray, Samet será forçado a reequacionar a sua visão do mundo, a incapacidade em assumir responsabilidades humanas e sociais, a indiferença com que olha os outros, fechado que está no despeito e egoísmo resultantes da insatisfação.
“As Ervas Secas” é uma obra que alimenta o classicismo do cinema do realizador turco, na atenção que dá ao insignificante, às “ervas secas” que não terão tido tempo de crescer, sufocadas pela neve do final do Inverno. “Tudo o que há de belo neste mundo fica preso nas teias que tecemos, antes mesmo de chegar até nós”, conclui Nuray, numa das mais belas sequências do filme, marcada pela dor e pelo desencanto. O final de “As Ervas Secas” dissolve o inverno do descontentamento de Samet, abrindo-se, em doçura e sinceridade, a uma primavera que torna transparentes todas as ilusões. Do cinema de Nuri Bilge Ceylan não espere o espectador facilidades. Exige trabalho, implica compromisso, não faz concessões nem se entrega de ânimo leve. Mas quem nele se aventurar, terá todas as oportunidades de se ver confrontado com o sublime, tal como sucede com Samet que, à medida que sobe a colina, é capaz ainda de captar, num mundo tão cansado quanto ele, os traços de beleza que se espalham pelo chão.
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