CONCERTO: Phantom Trio
A Sede
17 Jan 2024 | qua | 21:30
Da comunhão de interesses e da partilha de ideias em torno de uma enorme paixão pelo jazz nasceu o Phantom Trio, projecto musical que reúne o contrabaixista Sérgio Tavares, o saxofonista Fábio Almeida e o baterista João Martins. Ancorado no experimentalismo e na improvisação livre, o trio deu-se a conhecer em Abril de 2016, altura em que lançou o seu primeiro (e até hoje único) álbum de originais e que serviu de impulso a que a sua música se pudesse escutar em variados palcos – Ovar incluído, na primeira edição do Ovar em Jazz –, sempre numa onda de boa disposição, energia, qualidade e bom gosto. O envolvimento dos três músicos em vários outros projectos e o longo período pandémico foram de molde a que só esporadicamente tenham vindo a público nos anos mais recentes, o que acaba por justificar o epíteto de “fantasmas”. Fantasmas que resolveram materializar-se de novo e descer à terra para “assombrar” a noite de ontem ali para os lados da Arruela, no simpático e acolhedor espaço d’A Sede. O trio saiu a ganhar, mas também o público, brindado com cinquenta minutos de um jazz sedutor e pleno de energia, comprometido com a arte da improvisação, entusiasta e caloroso, empenhado e inspirador.
Nas breves palavras proferidas antes da sessão, João Martins falou deste concerto como uma oportunidade para os três amigos voltarem a tocar juntos, agora que Fábio Almeida abraçou um projecto em Tilburg, nos Países Baixos, e só esporadicamente se desloca ao nosso país. Foi, pois, uma sessão marcada pelo prazer do reencontro e da partilha, pela amizade e cumplicidade que une os músicos e que se estendeu ao público e o envolveu num abraço caloroso, amplificando assim os momentos de alegria e diversão. A música foi disso prova, a arte do improviso como uma constante, os “diálogos” mantidos com total abertura, ora entusiásticos e expressivos, ora contidos, ciciados, um quase nada. Entre a estridência e o silêncio, nada ficou por dizer. Como as cerejas, a “conversa” fluiu de forma franca, apenas cortada pelos aplausos nos intervalos entre os três temas interpretados e pela sentida ovação final. Abertas as portas de um mundo singular, foi tempo de contemplar as mais fascinantes paisagens, ora serenas e relaxantes, ora revoltas e impetuosas, mas sempre livres e vivas, plenas de raiva e de paixão.
Com João Martins a marcar o ritmo, nisso sendo extraordinariamente coadjuvado por Sérgio Tavares, foi a Fábio Almeida que coube a tarefa de conduzir a música pelas mais inesperadas paragens. Com o avançar do concerto, o conceito de espaço foi cedendo o lugar à noção de tempo, para isso contribuindo o trabalho sincopado da bateria, a dar a sensação de estarmos perante uma infinidade de relógios de ruidosos mecanismos na sua marcha inexorável. O tempo e o instante, a sua única realidade, “suspenso entre dois nadas”, como disse Gaston Bachelard. Foi sobre este eixo que atravessámos as múltiplas dimensões do concerto, em solos inspirados e em diálogos produtivos, nos quais sobressaíram aqueles em que a bateria e o contrabaixo se colocaram frente a frente. Na mente fica o arco sobre as cordas do contrabaixo, levado pelos movimentos elípticos do braço de Sérgio Tavares, a intensidade e exuberância dos agudos do saxofone de Fábio Almeida e os múltiplos recursos de João Martins, aos quais não escapou um punhado de chocalhos. O único reparo é que soube a pouco.
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