CINEMA: “Mal Viver”
Realização | João Canijo
Argumento | João Canijo
Fotografia | Leonor Teles
Montagem | João Braz
Interpretação | Anabela Moreira, Rita Blanco, Madalena Almeida, Cleia Almeida, Vera Barreto, Nuno Lopes, Filipa Areosa, Leonor Silveira, Rafael Morais, Lia Carvalho, Beatriz Batarda, Carolina Amaral, Leonor Vasconcelos
Produção | Pedro Borges
França, Portugal | 2023 | Drama | 127 Minutos | Maiores de 14 Anos
Cine-Teatro Eduardo Brazão
17 Jan 2024 | qua | 15:30
Um hotel, cinco mulheres e uma crise instalada. Crise económica, desde logo, com cada vez menos hóspedes e, consequentemente, menores receitas e maiores preocupações. Mas sobretudo uma enorme crise familiar, levando a que a relação entre estas mulheres – mães que não conseguem amar as suas filhas, que por sua vez não conseguem ser mães – seja marcada pela frieza e pela distância, com mágoas, ressentimentos e acusações a insinuarem-se, prontas a estalar. São estas, em traços gerais, as linhas com que se cose “Mal Viver”, o mais recente filme de João Canijo, Prémio do Júri do Festival de Cinema de Berlim 2023 e candidato de Portugal a uma nomeação para os Óscares deste ano. Um filme que impressiona pelo seu rigor formal, atravessado por longos planos, a acção a desenrolar-se frequentemente no fundo da imagem, a luz baixa a tornar indefiníveis as personagens, o som feito de conversas sobrepostas e fragmentos de palavras.
O rigor da planificação e a beleza das imagens justifica uma palavra em particular para Leonor Teles, a Directora de Fotografia. A cena de abertura é o primeiro indício do olhar agudo e penetrante de Teles e diz-nos ao que vamos: a piscina do hotel a estender-se no ecrã, as figuras que por ali vagueiam quase imperceptíveis, o reencontro entre mãe e filha marcado por um abraço que separa mais do que aproxima. É a lente de Teles a dar textura a pensamentos e expressões, a tomar a voz das personagens. Os planos são geralmente estáticos e meticulosamente enquadrados. Ocasionalmente a acção desenrola-se fora de campo, fazendo com que o espectador partilhe com os vários intervenientes a experiência da escuta. E há também a tendência para dar a ver apenas uma parte do corpo das personagens, um pouco como sucede com o cinema de John Cassavetes, ou para lançar um olhar demorado sobre a fachada do hotel, com as diferentes janelas a delimitarem mundos distintos, a fazer lembrar Hitchcock e o incontornável “Janela Indiscreta”.
Aparentemente presas umas às outras, as cinco mulheres parecem compartilhar o mesmo espaço fechado, por mais vasto que o hotel possa parecer. A ansiedade de Sara, a avó, é como um vírus, contaminando a filha e a neta e lançando este particular trio numa situação claustrofóbica e sem saída aparente. A decadência dos laços familiares e a falta de comunicação emergem de forma subtil, mas com uma brutalidade insuspeitada. Por outro lado, torna-se impossível ignorar a miséria em que todos se afundam, hotel incluído, João Canijo a aludir claramente a um legado de cinquenta anos de ditadura. Embora tenha decorrido meio século sobre o fim do Estado Novo, as feridas de um tempo de opressão e clausura permanecem vivas, sendo interiorizadas de forma mais intensa pelos representantes de gerações que nasceram mais tarde. É sobretudo este emaranhado de conteúdos, reforçados pela complexidade das personagens e pelo rigor formal de“Mal Viver”, que faz dele um filme tão especial.
Tudo o que acabo de ler é corretíssimo, contudo, não recomendaria este filme, a não ser pela fotografia. Obrigada pelo seu parecer.
ResponderEliminar