CONCERTO: La Grande Chapelle
Direcção musical | Albert Recasens
Auditório de Espinho
03 Nov 2023 | sex | 21:30
Nascido em Ávila, em 1548, Tomás Luis de Victoria foi um compositor espanhol que formou, com Giovanni Palestrina e Orlando di Lasso, a tríade que dominou a música de quinhentos. Preparou-se para o sacerdócio no Collegium Germanicum de Roma, para onde fora enviado por Filipe II. Aí estudou com Palestrina, a quem sucedeu na direção musical do Seminário Romano, e veio a assumir, alguns anos mais tarde, a capelania da igreja de San Girolamo della Carità, como assistente de S. Filipe Neri. Os últimos anos da sua vida passou-os em Madrid, no Convento de las Descalzas Reales, ao serviço da imperatriz Maria de Áustria, viúva de Maximiliano II, como mestre de capela e organista. Foi lá que, em 1603, compôs uma das suas melhores e mais refinadas obras, um requiem para o funeral da sua patrona, cujo emprego de contrastes tonais antecipa as concepções harmónicas do barroco.
Base do concerto da noite de ontem no Auditório de Espinho, o “Officium Defunctorum” teve no agrupamento de música antiga “La Grande Chapelle”, sob a direcção do musicólogo e maestro Alberto Recasens, um conjunto de intérpretes de excelência. Combinando rigor histórico e uma forte expressividade, o momento afastou-se do conceito generalista de concerto, para se transformar numa “experiência artístico-espiritual”, tal como a classificou Albert Recasens nas breves palavras que dirigiu ao público nos momentos iniciais. Palavras que lembraram, nomeadamente, o final do Renascimento enquanto período áureo da música religiosa ibérica, a enorme revolução vivida no seio da Igreja com o Concílio de Trento como resposta à Reforma Protestante e a associação da música com os princípios da retórica, a ênfase das peças colocada na oratória e menos na harmonia e no ritmo, realçando o seu conteúdo afectivo e dramático e a sua inteligibilidade ao encontro de uma resposta mais emocional no ouvinte.
Demonstração plena da riqueza da polifonia renascentista, daquilo que representa, de como soa e se sente, da sua intensidade e beleza, o momento proporcionado pelos músicos de “La Grande Chapelle” colheu os frutos daquilo a que se propôs: representar uma viagem de elevação e espiritualidade. Face aos desafios musicais e expressivos que a peça colocava, o coro mostrou-se imaculadamente equilibrado, as vozes envoltas numa harmonia luminosa que arrastou o público a lugares fortemente introspectivos e de reflexão. O comedimento da linguagem musical viu-se compensado pela intensidade emocional das linhas vocais. Leituras, responsórios, antífonas, abriram espaço nas nossas mentes e levaram-nos para longe, para uma Catedral em Arezzo ou uma Abadia em Sisteron, uma “Anunciação” de Fra Angelico ou um “Ecce Homo” de Caravaggio, um salmo que nos diz: “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.” Inesquecível.
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