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domingo, 29 de outubro de 2023

CONCERTO: Sara Correia



CONCERTO: Sara Correia
Cine-Teatro de Estarreja
28 Out 2023 | sab | 21:30


Foi em nome de/a “Liberdade”, o seu mais recente trabalho discográfico, que Sara Correia subiu ontem ao palco do Cine-Teatro de Estarreja para uma noite de fado absolutamente memorável. Desde logo, porque não é todos os dias que vemos o fado ser tratado com tanto cuidado, no respeito pelas suas particularidades: os tempos, o ritmo, o silêncio, o virtuosismo instrumental, o saber estar e ser. Mas, sobretudo, pela emoção e arrebatamento que se desprendem de uma voz que é uma dádiva dos céus, cuja força e intensidade não são deste mundo e que faz de Sara Correia uma personalidade ímpar no fado. Afinal, quem como ela, nos tempos que correm, mais e melhor ergue a bandeira deste verdadeiro Património Cultural Imaterial da Humanidade que é o fado? Quem é capaz de, com tanta arte e paixão, recuperar a alma de temas tão enraizados no nosso ADN como “Balada de Outono”, “Madrugada de Alfama” ou “Estranha Forma de Vida”? “Não é escolha, é ser, é estar marcado”.

Distribuídos por uma hora e meia de concerto, os dezassete temas alinhados tiveram o condão de dar a ver “Liberdade” em canções como “Madrugou”, “Era o Adeus”, “Que da Voz te Nasçam Pombas” ou esse verdadeiro fenómeno de popularidade que é “Chelas”. A fadista, porém, não esqueceu os seus dois anteriores trabalhos, “Sara Correia” e “Do Coração” e, por caminhos do fado ou da marcha, recuperou “Não se Demore” (Fado Cravo) ou “Tu Ganhas Sempre”, “Porquê do Fado” - “um retrato da forma como o fado me recebeu e me deixou ser dele também” - ou o incontornável “Quero É Viver”, verdadeiro tributo a António Variações. Mas não foi só Variações, a sua música e poesia, que Sara Correia chamou ao palco. Ao seu lado estiveram David Mourão Ferreira e Alfredo Marceneiro, José Afonso e Pedro Abrunhosa, Carolina Deslandes e Joana Espadinha, entre outros, numa demonstração do ecletismo e versatilidade da fadista.

Falar deste concerto é falar de quatro músicos de excepção e de uma prestação imaculada: Diogo Clemente na viola de fado e direcção artística, Ângelo Freire na guitarra portuguesa, Frederico Gato no baixo acústico e Joel Silva na bateria. É, também, falar de um público entusiasta, conhecedor e que se quedou rendido à qualidade e emoção que se foi desprendendo do palco a cada novo tema. Arrepiante a longa pausa que antecedeu as cinco palavrinhas mágicas - “foi por vontade de Deus” -, o silêncio reverencial que tomou conta da sala, a explosão de júbilo no final do “encore”, no final do concerto. À medida que vamos saindo, percebemos o quanto letras e músicas lançaram âncora nas nossas mentes e nos pedem que as trauteemos. A alegria espelha-se nos rostos, contrariando o ar tempestuoso que se faz sentir no exterior do Cine-Teatro de Estarreja. E lá vamos nós - “vou viver” - a cantarmos quase num sussurro - “até quando, eu não sei” -, tomados de certezas e esperança - “não me importa o que serei, quero é viver!”.

1 comentário:

  1. Apoiado, embora não seja amante de fado, mas fiquei rendida e a banda é espetacular. Obrigada pelo seu parecer!! O CTE sempre a embalar-nos e a surpreender-nos.
    Uma boa tarde de Outono, com Hora Nova.

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