TERTÚLIAS LITERÁRIAS: “Conversas às 5”,
com Marta Duque Vaz
Moderação | Joaquim Margarido Macedo
Centro de Reabilitação do Norte
21 Set 2023 | qui | 17:00
Após a pausa estival, regressaram ao CRN as “Conversas às 5”, iniciativa que junta escritores e leitores com o objectivo de promover o livro e estimular a criação de hábitos de leitura. Convidada desta décima primeira edição das tertúlias, Marta Duque Vaz trouxe consigo um rico e variado mundo de histórias e memórias, onde afloram, em lugar de destaque, “A Senhora Clap e o Mundo na Palma das Mãos”, “O Lado Esquerdo” e “Os Anjos Não Morrem e Tu Morreste Duas Vezes”, três marcos primordiais no seu percurso de escritora. Pela primeira vez, as “Conversas às 5” saíram do Auditório Correia de Campos e instalaram-se no aconchegante espaço da “sala de estar” voltada a poente, com vista privilegiada sobre o grande lago Atlântico. Foi aí, perante uma interessante e interessada plateia, onde se contaram alguns utentes internados no Centro de Reabilitação do Norte, que Marta Duque Vaz nos falou da sua paixão pela leitura e do que isso pode ter significado em termos do apego à escrita, o “clic” a surgir na adolescência, num “mundo silencioso” marcado pela timidez, com esse momento inaugural entre a escritora e a folha em branco a revelar-se na forma de um poema.
“Nem tudo o que escrevemos vivemos, mas o escritor é também as suas vivências.” Ditas desta forma extraordinariamente franca, as palavras da escritora serviram de mote a uma conversa que, ao debruçar-se sobre o acto da criação, lança a mesma questão que tantos e tantos escritores continuamente se colocam: “Porque é que escrevo?”. Na tarde vazia dos seus catorze anos, “em vez de ir dar um passeio até ao mar” ou “andar de baloiço”, Marta enfrentou a solidão triste do seu quarto com uma folha em branco à frente. Não foi premeditado, simplesmente aconteceu. E assim nasceu uma escritora, alguém para quem escrever é respirar (como diria Clarice Lispector), nesse alinhar de palavras que podem ser entendidas como “escrivivências” (como diria Conceição Evaristo).
Depois de um primeiro livro de poemas intitulado “Aclive” e publicado aos 20 anos, Marta Duque Vaz entra em “apneia”, regressando mais de duas décadas depois com um livro infanto-juvenil chamado “A Senhora Clap e o Mundo na Palma das Mãos”, hoje incluído no Plano Nacional de Leitura. Recuperado da gaveta, de onde saía a espaços para ser lido aos sobrinhos, “ao José, ao António, à Maria, ao Francisco, ao Miguelinho”, este livro representou um ponto de viragem a todos os títulos marcante na vida da escritora, que trocou “um lugar financeiramente confortável”, pela imponderabilidade de algo situado na esfera dos sonhos. Devemos agradecer a Marta Duque Vaz o passo, o assumir o risco, já que o livro é lindíssimo - nas palavras como nas ilustrações - ao falar-nos de “aplausologia”, essa arte (e ciência) de bater palmas em todas as circunstâncias. Mas que nos fala também de “transparência”, qualidade que a tão poucos assiste nos nossos dias e que é imagem de marca da convidada, na partilha como na dádiva. Que nela se revela por inteiro, e não apenas sobre o lado esquerdo, como acontece com a Senhora Clap.
Monólogo que é peça de teatro com o mesmo nome, “O Lado Esquerdo”, o seu livro seguinte, mostra um “lado esquerdo” nada transparente, antes “sinistro, pavoroso, funesto, desgraçado, que não sabe perdoar, mas ainda sabe falar de amor.” Mulher com muitas mulheres dentro, “O Lado Esquerdo” inclui no seu seio a própria escritora, no que tem de “feminina e feminista”, em cujo lado direito -“diurno e divino” - podemos encontrar “Sophia, Adélia, Adília, Rita, Natália, Hélia, Hilda, Matilde, Florbela, Filipa, Raquel, Regina, Rosa Alice, Ana Luísa, Maria Teresa, Maria do Rosário e tantas outras”. Com a conversa a aproximar-se do final, tempo ainda para “Os Anjos Não Morrem e Tu Morreste Duas Vezes”, tempo de afectos e de “leitores perigosos”, tempo de contos (o mais antigo dos quais com quinze anos) onde cabem as preocupações da escritora, do trabalho precário à violência de género, dos dramas do envelhecimento ao analfabetismo nos dias de hoje. Nas respostas às questões do público, Marta Duque Vaz voltou a pegar na ideia de sonho, citando Lygia Fagundes Telles para dizer que “[é] preciso amar o inútil. Plantar roseiras sem pensar em colher as rosas, escrever sem pensar em publicar”. A finalizar, um repto àqueles cujos escritos merecem sair do escuro das gavetas, oferecendo-se aos leitores num abraço: “Temos de estar preparados para não acontecer; não devemos é estar preparados para não tentar.”
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