CONCERTO: Carminho
Centro de Arte de Ovar
23 Set 2023 | sab | 21:30
Foi num primeiro de Março, no já distante ano de 2013, que assisti pela primeira vez a um concerto de Carminho. Desse momento, que teve lugar no Centro de Arte de Ovar, guardo a “alma” da primeira canção interpretada “a Capella” e a emoção que só Carminho sabe pôr naquilo que canta. Foi um momento de entrega e rendição, ao qual se seguiram momentos inesquecíveis que apenas vieram confirmar a emoção inaugural, o último dos quais no início de 2020, no Cine-Teatro de Estarreja, na apresentação de “Maria”. Não sei quantas vezes terei escutado “Maria”, álbum que, com frequência, me acompanha nas viagens entre a casa e o trabalho. Sei, isso sei, que anseava por um sucessor à altura. Ora, ele aí está. Chama-se “Portuguesa”, está disponível para escuta desde o passado mês de Março, e veio mostrar-se a Ovar na noite de ontem, intenso, vibrante, festivo, perante um auditório apreciador e conhecedor que, ao longo da hora e vinte que durou o concerto, não regateou aplausos à fadista e aos seus músicos, numa demonstração clara do seu enorme apreço e gratidão por tanta entrega e tanta dádiva.
Na linha dos seus anteriores trabalhos, “Portuguesa” é um álbum que combina, com enorme sensibilidade e bom gosto, versões de fados tradicionais e originais, alguns deles exteriores à esfera do próprio fado. Isso é particularmente notório nos temas “Ficar” e “Sentas-te a Meu Lado”, com assinatura de Joana Espadinha e Luísa Sobral, respectivamente, como a própria fadista fez questão de explicar. De resto, Carminho voltou a intercalar as músicas com apontamentos muito pessoais onde se torna evidente a sua paixão pelo fado, pelas músicas como pelas letras, alicerçada em muita investigação, muita poesia, material guardado na gaveta à espera de ser resgatado para se dar a ver em novas roupagens. Foi isto que vimos no tema de abertura do concerto, “O Quarto”, do “Fado Pagem”, onde a letra de Carminho encontrou a música de Alfredo Marceneiro. Noutros casos, aconteceu justamente o contrário, ou seja, foi Carminho e a sua música que encontraram as palavras de António Campos ou Sophia de Melo Breyner Andresen.
Na companhia de um naipe de cinco extraordinários músicos - Flávio César Cardoso (viola de fado), Tiago Maia (baixo acústico), João Pimenta Gomes (Mellotron), Pedro Geraldes (guitarras eléctricas) e André Dias (guitarra portuguesa) - Carminho distribuiu o alinhamento por catorze temas, onze dos quais pertencentes ao seu novo trabalho. Tempo ainda para um “encore” fortemente reclamado, no qual a fadista cantou “Estrela”, do álbum “Maria”, o mesmo tema que interpretou nas Jornadas Mundiais da Juventude perante um público estimado em 1,5 milhões de pessoas. Da noite de ontem ficaram momentos de grande alegria, como “Marcha de Alcântara de 1969” ou esse enorme sucesso que é “A Bia da Mouraria” (do álbum “Fado”, de 2009), também momentos de grande intimidade e emoção como “As Flores” ou “Levo o Meu Barco no Mar”. Ficou também a vénia à “vareira” família do poeta António Campos, presente em grande número na sala, e o agradecimento pela autorização dada a uma pequena/grande alteração ao poema “Pedra Solta”, que põe um homem (e não uma mulher, como no poema original) a ir à fonte sozinho e a ficar coradinho. Outros tempos, novos ventos!
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