CONCERTO: Michael Wollny Trio
Com | Michael Wollny (Piano), Eric Schäfer (bateria), Tim Lefebvre (contrabaixo)
FIME – 49º Festival Internacional de Música de Espinho
Auditório de Espinho
21 Jul 2023 | sex | 21:30
As mãos de Michael Wollny. Poderia ser título de romance – daqueles que acabam em tragédia, com perdas irreparáveis das quais apenas restam dores fantasma -, mas neste caso é tudo menos ficção. As mãos de Michael Wollny são a mais pura verdade, tal como são ilusão e fantasia na forma como parecem multiplicar-se, como se tornam cúmplices do piano, como sabem despertar a magia da grande música. Atraem o olhar do espectador a partir do momento em que pousam nas teclas, obrigando-o a fixar-se nos seus movimentos, sejam eles um dedilhar breve e inocente ou o mais tresloucado frenesim. Como um prolongamento das mãos, o corpo persegue o movimento, acompanha a música e as suas nuances, amplia a emoção que se oferece em escalas inspiradas de harmonia e ritmo. Suada, a melena rebelde que cai sobre o rosto do pianista impõe uma nota de imprevisibilidade. Há nele uma intenção quase obsessiva de se reinventar através da música. Impressiona a sua forma visceral de atacar as teclas, de se fundir com cada acorde. De ser, ele próprio, música.
Michael Wollny descreve-se a si próprio como um pianista, improvisador, um músico interessado na partilha e na dinâmica dos grupos, compositor. A verdade é que o músico alemão tem vindo a construir uma das carreiras mais singulares e significantes no jazz europeu nas duas últimas décadas e a prova provada da sua classe e virtuosismo ficou bem patente na noite da passada sexta-feira, no Auditório de Espinho, naquele que foi o último concerto em sala da 49ª edição do FIME - Festival Internacional de Música de Espinho. Durante o tempo em que esteve em palco, de par com o contrabaixista americano Tim Lefebvre e o baterista alemão Eric Schäfer, Wollny fez uma viagem pelo seu multifacetado universo musical, revisitando duas décadas de uma bem sucedida carreira, onde se misturam e confundem os modelos clássicos com o jazz mais vanguardista. A nota de maior destaque do concerto foi, justamente, essa explosividade que resulta do formidável virtuosismo jazzístico / clássico de Wollny, aliado a uma apetência para, de forma livre, abraçar tudo o que pode e sabe, devolvendo-o em elegância, sofisticação e requinte.
O trio abriu o concerto com “Little Person”, de Jon Brion, as notas do piano a destacarem-se numa paisagem de murmúrios abstractos do contrabaixo e de pinceladas baralhadas da bateria. Ao compositor austríaco Alban Berg foi Wollny buscar “Nacht”, reforçando o tom romântico neste início de concerto e acrescentando-lhe uma nota de irreverência. Da sua autoria seguiu-se “Hauntology”, no qual se mostra por inteiro o talento, a sensibilidade e o bom gosto de Wollny, levando-nos a atentar em “Ghosts”, álbum onde este tema se insere. Ainda Paul Hindemith e o seu “Rufe in Der Horchender Nacht”, de novo a técnica magistral numa adaptação inspirada de um tema do repertório neoclássico de inícios do século XX. Das variações mais dolentes, desatadas em figuras de blues e funk, às explosões rítmicas feitas de acordes martelados e tempestades de percussão, o concerto resultou na demonstração de uma notável capacidade de improvisação aliada a um conhecimento profundo da música contemporânea. Um extraordinário concerto, daqueles que ficam para a vida.
[Foto: Festival Internacional de Música de Espinho | https://www.facebook.com/fimespinho]
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