CINEMA: “20 000 Espécies de Abelhas” / “20 000 Especies de Abejas”
Realização | Estibaliz Urresola Solaguren
Argumento | Estibaliz Urresola Solaguren
Fotografia | Gina Ferrer
Montagem | Raúl Barreras
Interpretação | Sofía Otero, Patricia López Arnaiz, Ane Gabarain, Itziar Lazkano, Martxelo Rubio, Sara Cozar, Miguel Garcés, Unax Hayden, Andere Garabieta, Julene Puente Nafarrate, Mariñe Ibarretxe, Aintziñe Rey Zurimendi, Julián Urkiola, Manex Fuchs
Produção | Valérie Delpierre, Lara Izagirre
Espanha | 2023 | Drama | 125 Minutos | Maiores de 12 anos
UCI Arrábida 20 – Sala 7
25 Jul 2023 | ter | 16:10
"Não me chames Cacau!", gritou Aitor no banco de trás do carro, ainda que se sentisse mais confortável com o nome Cacau do que com aquele que surge no seu bilhete de identidade. Na sua própria cabeça passa-se tudo no feminino, mesmo que os adultos a vejam como um menino. À vergonha em vestir um calção de banho soma-se a recusa em partilhar a cama com o irmão ou a angústia por não encontrar a melhor forma de dizer o que sente. A situação torna-se confusa, mas talvez não da forma que se possa pensar. Afinal, a própria mãe parece dar força às suas certezas, deixando-a ter o cabelo comprido “porque é bonito” ou dizendo-lhe que, no que toca a brinquedos, não há coisas de meninos e coisas de meninas. Mas se isto pode ser facilitador dentro de portas, com o passar do tempo irá sentir-se a importância de uma maior interacção com o mundo exterior, tornando-se cada vez mais difícil lidar com as afirmações dos outros sobre quem ela é ou escapar às expectativas e categorizações de género.
Abordar a questão da transexualidade na infância tornou-se, para Estibaliz Urresola Solaguren, uma necessidade, quase uma obrigação, ao tomar conhecimento do drama de Ekai Lersundi, um adolescente transgénero de Ondarroa que se suicidou aos 16 anos e que, antes de morrer, deixou por carta o pedido expresso para que nunca mais ocorressem casos semelhantes ao seu. “20 000 Espécies de Abelhas” foi a forma que a realizadora e autora do argumento encontrou para falar do caso, fazendo-o com “pinças”, dando mostras de uma enorme sensibilidade e respeito pelo direito à diferença numa idade em que é comum desvalorizar, ignorar ou reprimir situações desta natureza. À dificuldade dos adultos em “juntar as peças”, embrenhados que estão num quotidiano que os obriga a mil e um malabarismos, junta-se a incapacidade das crianças em exprimirem as suas emoções, para as quais não conseguem encontrar palavras. É o caso da protagonista do filme que, aos oito anos, enfrenta desafios complexos, rejeitando o nome, estranhando o corpo e procurando interpretar os sinais a partir de sentimentos particularmente intensos e de pequenos fragmentos de informação.
Sofia Otero, no papel de Lucía (é assim que surge creditada no genérico final), enche o filme. Com um desempenho natural, perfeitamente credível, é sobre ela que o filme roda, quer quando o assunto remete para questões de identidade, quer quando se afasta para a periferia onde encontramos uma família fracturada, a instabilidade do casamento dos pais, a batalha que a mãe trava para conseguir um emprego, as tensões entre a mãe e a avó sobre a profissão ou as relações amorosas. É nesse universo de incertezas, onde o que se sabe e o que se julga saber facilmente se confundem, que Lucía busca um lugar no seu mundo, à margem de convenções ou regras predefinidas. Contidamente, Estibaliz Urresola Solaguren escapa ao tratamento das experiências transgénero como algo de incomum, questionando as convicções de cada espectador, desafiando o preconceito e convidando-o a ouvir e respeitar esta criança, reconhecendo nela uma entidade com deveres e direitos, como qualquer outra. Um filme de uma grande actualidade, delicado e sensível, no qual importa atentar.
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