CERTAME: WOOL Covilhã Arte Urbana 2023
Artistas convidados | Helen Bur, Dimitris Taxis, Mariana Duarte Santos, Pitanga, Tiago Hesp
Curadoria | Mistaker Maker
Produção | Mistaker Maker
Covilhã, vários locais
10 Jun > 18 Jun 2023
Manter viva a memória da cidade da Covilhã, contar as suas histórias, preservar as suas figuras, reflectir sobre o território e combater a interioridade, tal têm sido, desde 2011, os propósitos que norteiam o WOOL Covilhã Arte Urbana, o mais antigo Festival do género no nosso País. Nesta 10ª edição, o certame voltou a espalhar-se por diversos recantos da “cidade-neve”, acrescentando mais cor à já existente e ampliando os momentos de partilha e saber. Como é da tradição, o acolhimento aos artistas teve lugar nos dois primeiros dias do Festival e obedeceu a um plano de apresentação da região com passagem por muitos dos seus mais emblemáticos lugares. Com as mentes inspiradas, segunda feira passada foi dia de pegar ao trabalho, o qual se estendeu até ao final do dia de ontem. Entretanto, como parte integrante do programa, na tarde de sábado teve lugar uma das várias visitas guiadas que, sob a orientação de Lara Seixo Rodrigues, co-fundadora do WOOL, levou os participantes ao encontro das novíssimas peças produzidas na presente edição e, naturalmente, de muitas outras que fazem a história do WOOL ao longo dos anos.
A visita teve início junto à Igreja de Santa Maria, impressionante na sua fachada azulejada branca e azul com cenas da vida da Virgem Maria. É no prédio fronteiro que encontramos o mural dos Arm Collective, o primeiro de todos no âmbito do certame, onde o traço abstracto de RAM se funde com a veia figurativa de MAR, numa abordagem aos grandes temas da época, da clonagem à deslocalização da indústria para os países asiáticos ou ao desaparecimento do aeródromo da Covilhã para dar lugar ao Data Center. Um rei, um pastor e uma estrela que lhe faz companhia estão na origem da lenda que dá o nome à Serra da Estrela e servem de tema ao mural seguinte, “O Pastor da Estrela”, da autoria do belga Gijs Vanhee. “Covilhocos à espreita”, de Catarina Glam, e um simpático diabrete da autoria do holandês PFFF, intitulado “Perdi o fio à meada”, precederam a visita ao primeiro mural de 2023, da autoria do grego Dimitris Taxis. Entre a pintura clássica, o graffiti e a Banda Desenhada, o artista socorre-se de um conjunto de imagens antigas, interpretando livremente uma paisagem serrana onde as enormes fragas ou uma imagem de Nossa Senhora da Conceição se misturam com uma prova de ralis ou com uma alusão ao trabalho infantil.
A visita prossegue entre um fado de Amália, a resistência de algumas plantas e a reinterpretação da Lenda do Monstro da Teixeira, nos trabalhos dos Half Studio, Pastel e Kram. Chegamos então ao Largo Senhora do Rosário onde “A Serra e a Neve”, dos Ruído e “Ouro”, dos Reskate, se impõem ao olhar do visitante. Ali ao lado há um novo “covilhoco à espreita” e, mais abaixo, o emblemático mocho de Bordallo II, a peça que, em 2014, catapultou o artista para uma carreira de nível internacional. Mas é ao encontro de Tiago Hesp, vencedor incontestado da Open Call desta edição, que seguimos. Ali, num edifício assente num enorme afloramento rochoso, o artista rende homenagem aos “mais velhos habitantes da Serra”, as rochas, que se erguem no ar semelhantes a novelos de lã. Mais abaixo podemos apreciar “Indigofera tinctoria + Rubia tinctorum”, de Doa Oa, representando duas plantas cuja seiva é, ainda hoje, utilizada para tingir tecidos. Uma peça que se insere no projecto da artista “Reflorestando” e que pretende despertar consciências para a importância da preservação e respeito pelo reino vegetal.
Uma mulher, de joelhos no chão e com uma montanha de tecidos às costas, é o tema do mural desenvolvido nesta edição por Helen Bur num edifício da íngreme Rua Comendador Gomes Correia. Esta é uma peça que se afasta dos trabalhos miniaturais que a artista espalhou por Figueiró dos Vinhos e que se presta a muitas leituras, desde o peso do trabalho doméstico à mulher discriminada face ao homem na indústria dos lanifícios ou à mãe (e Helen Bur foi-o, recentemente), com o acréscimo de trabalho que daí advém e para o qual uma terceira mão será sempre bem-vinda. Os passos levam-nos ao encontro do mural seguinte, o mais impactante desta edição e, quiçá, de todas as edições do WOOL. Numa altura em que o Sporting Clube da Covilhã festeja o seu centenário, esta peça da autoria de Mariana Duarte Santos é menos sobre futebol e mais sobre a memória colectiva de toda uma cidade e daqueles que, das mais diversas formas, deixaram o seu nome a ela ligado. Os nomes podem ser desconhecidos para a esmagadora maioria de nós, mas fale-se a um covilhanense de Franklin Taborda ou João Lãzinha, Francisco Manteigueiro ou Fernando Cabrita, Amílcar Cavém ou André Simonyi, César Brito ou János Szábo e parece que o coração até quer saltar do peito. É esta emoção que transborda daqueles muros e que se abre, em forma de arte, à cidade e ao mundo.
A visita está a chegar ao fim mas há ainda tempo para apreciar o extraordinário “O Observatório”, da autoria de Douglas Pereira, o qual retrata três crianças a explorar e estudar a paisagem. São elas um exemplo da curiosidade dos jovens e dos seres humanos, em geral, a qual deve ser permanentemente estimulada. De regresso à parte alta, tempo ainda para uma paragem no exterior da Escola Básica de S. Silvestre onde a artista Joana Rodrigues aka Pitanga desenvolveu uma peça em colaboração com a comunidade escolar, representando de forma esquemática alguns ícones da Serra da Estrela ao mesmo tempo dando a ver as suas preocupações, da importância de uma boa triagem e separação de resíduos ao abate da floresta ou ao flagelo dos incêndios florestais. Já nas Portas do Sol, e antes dos CISMA dar início ao concerto “Entre Portas”, tempo para apreciar as super-ameaçadas peças de Tamara Alves e Regg Salgado que, há vários anos, embelezam aquele espaço. As palavras finais pertencem à organização do WOOL, mas traduzem o sentimento de artistas, parceiros, voluntários, residentes e visitantes: “Podemos repetir-nos ao longo destes 12 anos, mas foi novamente uma edição especial, onde se confirma que é possível transformar cidade e comunidade através da Arte e da Cultura. Foi uma edição feita de encontros, de muitas partilhas, de boas parcerias, de emoções sonoras e de tantas outras coisas, que nos encheram o coração.”
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