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quinta-feira, 15 de junho de 2023

TEATRO: "Suécia"



TEATRO: “Suécia”,
de Pedro Mexia
Encenação | Nuno Cardoso
Cenografia | F. Ribeiro
Música | Pedro “Peixe” Cardoso
Figurinos | Nélson Vieira
Interpretação | António Fonseca, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho, Pedro Frias
Produção | Teatro Nacional São João
90 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Nacional de S. João
10 Jun 2023 | sab | 19:00


“Egerman (sozinho, mas como se tivesse Stromberg ao lado): O que me impressionou naquelas fotografias foi o vento. Em todas as fotografias, sobretudo as que tirámos aqui na ilha, havia vento. Claro que o vento não se vê, mas vê-se a presença do vento. Havia um vento sobre a nossa casa, um vento sueco. No mar, na floresta, no nosso mar e floresta suecos, nesta ilha e nesta casa. A Marianne e eu a chegarmos aqui e o vento na saia dela. A andar de bicicleta, fazendo caretas contra o vento. O meu cabelo, antes de ser branco. A Monika a brincar com um papagaio, tão alto que nem se via. O vento nas velas do barco a remos em que vínhamos, porque não queríamos um barco a motor. O vento até chegar o sono, o vento benigno quando nos víamos no escuro.”

A globalização e os fenómenos a ela associados fazem com que “uma certa ideia de Suécia” resulte, nos dias de hoje, em algo extraordinariamente vago. Para o bem e para o mal, cada um pode apontar o país como exemplo nas mais variadas áreas, mas desapareceu aquele estatuto que o individualizava e elevava, visto de fora, à condição de “paraíso”. Com a sua estreia na dramaturgia, Pedro Mexia recupera o “mito” e, com ele, “o país “metafísico-angustiado” dos filmes de Bergman, o paraíso (perdido?) da social-democracia, mas também a pátria do infernal Strindberg ou dos açucarados ABBA.” E porque as memórias são algo eminentemente partilhável, dou por mim a pensar que, na juventude, também eu alimentei “uma certa ideia de Suécia” (ou de “suecas”, para ser mais preciso) e aprendi com Bergman que o cinema não era apenas essa coisa de “índios e cobóis”. Era uma altura em que me curvava perante a classe do tenista Björn Borg, admirava a perícia dos pilotos de ralis Björn Waldegård e Stig Blomqvist e passava os dias a trautear o “Waterloo”, a “Chiquitita” ou o “Dancing Queen”, dos ABBA.

A peça transporta-nos para o rescaldo das eleições de 1976, que puseram fim à “interminável” governação dos sociais-democratas, à data liderados por Olof Palme. A acção tem lugar numa das 24 mil ilhas que compõem o arquipélago de Estocolmo, em pleno Báltico, na qual vivem apenas Egerman, professor universitário jubilado e o seu vizinho Stromberg, director do Teatro Nacional. É um dia de final de Setembro, dia em que Monika, filha de Egerman, aparece de surpresa para anunciar que se vai casar. Com ela está o noivo Björn e Eva, uma amiga. A cerimónia terá lugar ali, dentro de poucas horas, faltando chegar alguns convidados. Disposto a não se mostrar abalado pela notícia, Egerman ensaia um conjunto de observações que comprovam o quão desiludido está com a filha, cujo casamento desaprova em absoluto, mas também com a “sua” Suécia, essa democracia que há meio século elege sempre o mesmo governo. Egerman torna-se contundente. Há todo um “status” que é posto em causa: A ilusão dá lugar à desilusão, a imagem credível de felicidade parece desfocada face às elevadas taxas de suicídio e ao “totalitarismo suave” respondem os suecos com um “conformismo extremo”.

Em “Suécia” não estamos perante a velha questão da moeda e das suas duas faces. É tudo muito mais subtil do que isso. E mais profundo, a ponto de nos inquietar, provocando aquela espécie de estranheza boa que nos leva a apurar os sentidos e a beber as palavras uma a uma. Estamos aqui perante um texto extraordinário, que convoca uma série de leituras que atravessam as dimensões políticas, sociais e económicas de um país tido como exemplar, até mergulharem nas relações humanas e no mais íntimo de cada uma das figuras, os sonhos e ambições de uns em modo contrastante com a amargura e o desencanto de outros. Um texto cujas ressonâncias se deslocam para sul um bom par de paralelos e convidam a rever “uma certa ideia de Suécia”, com os mesmos pressupostos embora com outros agentes. Uma palavra para os actores, em particular para António Fonseca que compõe um Egerman amargurado, ávido de uma boa discussão, a ferroada sempre pronta, o perder “nem a feijões”. Também para Nuno Cardoso, cuja encenação é preciosa na interpretação do “respirar” do texto e na forma como sabe ritmar a peça, combinando na perfeição a intensidade das emoções com a riqueza dos diálogos.

[Foto: Teatro Nacional de São João | https://www.tnsj.pt/]

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