Quando questionado sobre o sucesso da sua carreira, Carlos Bica responde com uma naturalidade e espontaneidade desarmantes: “São os amigos”. Estar em palco a tocar com os músicos que integram os seus variadíssimos projectos, sentir a sua cumplicidade, entendimento e amizade, isso é o verdadeiro sucesso para aquele que é um dos músicos portugueses com maior projecção internacional, uma verdadeira referência no panorama do jazz europeu. Esta forma de estar e de ser ficou bem patente na noite de ontem no Auditório de Espinho, num concerto a raiar a perfeição. Ao lado de Bica estiveram o vibrafonista Eduardo Cardinho e o saxofonista José Soares, dois nomes com uma forte ligação à Academia de Música de Espinho, e ainda o acordeonista João Barradas, uma chamada de última hora para substituir o guitarrista Gonçalo Neto, impedido de estar presente por questões de saúde. Quatro músicos de eleição, quatro expoentes de talento e criatividade, quatro fazedores de sons incomparáveis. Acima de tudo, quatro amigos. De resto, a conformidade e conivência do quarteto foram as notas dominantes, resultando em uma hora e meia de grande música, feita de temas de enorme expressividade e intimismo, num convite à viagem por espaços da maior amplitude, pureza e liberdade.
A sedução e assombro dos espaços amplos, puros e livres, toma conta do concerto. Embora seja possível perceber um vasto conjunto de influências na música de Carlos Bica, do clássico ao contemporâneo, do minimalismo à world music, as paisagens sonoras que a música convoca abrem-se recorrentemente em horizontes despovoados, o ar que se respira leve e puro, as cores que se desfrutam intensas e penetrantes. Um sentimento de ascensão, de plenitude, mistura-se com a noção (necessidade) de recolhimento e silêncio, de reflexão e introspecção, entre o olhar íntimo e o mais longe que a vista alcança. A montanha, portanto. Dos Apalaches aos Cárpatos, do Alto Atlas à Cordilheira Andina, são iguais as pedras que estiolam com a força do sol ou se engelham cobertas de neve na dureza dos Invernos, o olhar perdido na vastidão de um horizonte que abraça o infinito, o vento que bate no rosto como um chicote ou um afago. E sempre a música, feita de um intenso azul (como ser de outra cor?), ora harmoniosa e volúvel, ora caprichosa e irrefreada.
O nome de Carlos Bica está indelevelmente ligado ao meu gosto pelo Jazz. Ao lado de João Paulo Esteves da Silva, no espaço “incomum” do Salão Nobre da Câmara Municipal de Ovar, o músico fez-me estar mais atento a este género e, em particular, ao Jazz que se ía fazendo entre nós. Foi o começo de uma bela amizade, que se vem reforçando concerto após concerto. Na noite de ontem, talvez porque a contenção fosse a nota dominante, os instrumentos adquiriram uma relevância maior ainda, empenhados na criação de ambientes, preocupados em abrir espaços e em buscar a valorização mútua. Homem do leme, Carlos Bica conduziu o quarteto de forma hábil, afirmando o contrabaixo como sujeito maior ao qual os restantes instrumentos souberam submeter-se. Pintor de sons, Eduardo Cardinho extraiu do vibrafone as cores de fundo de uma tela que se foi preenchendo em detalhes de enorme complexidade e beleza. Enamorado, o diálogo entre o acordeão e o saxofone deu a ouvir palavras que só em segredo se dizem. O todo foi de paixão e arrebatamento, vertido no melhor que a música tem para nos oferecer.
[Foto: Auditório de Espinho | https://www.facebook.com/auditoriodeespinhoacademia]
Caro Joaquim Margarido, muito agradecido pelas bonitas palavras. Espero que nos possamos encontrar de novo em breve. Um abraço de amizade, Carlos Bica
ResponderEliminar