EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Nelayan: Vontade em Trânsito”,
de Eduardo Martins
Foyer do Auditório de Espinho | Academia
05 Abr > 04 Jun 2023
A realidade das Caxinas, Vila do Conde, à semelhança de outras zonas costeiras do globo, é definida por dois movimentos migratórios interconectados: os pescadores locais saem para o estrangeiro e migrantes são contratados para suprir a falta de mão de obra, também acentuada pelo desinteresse das novas gerações pela atividade. Este fenómeno resulta das condições económicas inerentes à atividade, pautada por um imperativo de redução de custos e baixos salários. Nos últimos anos, os armadores de Vila do Conde têm recorrido de um modo significativo à contratação de pescadores indonésios (Nelayan significa pescador em indonésio). Actualmente, são pelo menos 500 os que ali vivem e trabalham. Oriundos na sua maioria de Java Central, parcela do território com altos níveis de desemprego, representam mais de 50% da força de trabalho da pesca artesanal vilacondense.
A vida no mar é marcada por longas horas de trabalho repetitivo (em média 14 por dia) e um ambiente muito hierarquizado, no qual mestre e pescadores ocupam espaços e níveis do barco distintos. As pausas (só) ocorrem ao ritmo da pesca. O trabalho em terra está também previsto no contrato de trabalho. Este tem a duração de 18 meses e prevê, como direitos, o pagamento das viagens de ida e volta dos trabalhadores, habitação e produtos básicos de alimentação, bem como pelo menos um salário mínimo. A ARPIC, uma associação de pescadores Indonésios fundada em Agosto de 2019, visa apoiar e criar um sentimento de comunidade entre estes migrantes. Dinamiza, ainda, algumas ações de caridade no seu país de origem. Neste ambiente associativo, a discussão de direitos de trabalho, nomeadamente o custo da comissão exigida pelas agências de emprego do Sudeste Asiático através das quais vêm para Portugal, ocorre com frequência.
No seu tempo livre, por norma ao fim de semana, reúnem-se nas suas casas. Os espaços, exíguos, são muitas vezes anexos adaptados, nos pisos térreos, das casas dos armadores ou antigos espaços comerciais, convertidos de forma sumária. É também no interior das casas que decorre a prática religiosa desta comunidade, na sua maioria muçulmana. O contacto com a comunidade portuguesa é raro e muito dificultado pelas barreiras linguísticas, mas a vontade de se Integrarem é palpável. Momentos como as festas de São Pedro (padroeiro dos pescadores), na Póvoa do Varzim, cidade contígua a Vila do Conde, são partilhados pelas comunidades migrante e autóctone com semelhante Intensidade. A comunicação com os familiares na Indonésia e a presença nas redes sociais constitui uma componente crucial das dimensões social e emocional destes trabalhadores, bem como um veículo de afirmação e projeção de individualidade. O telemóvel tem, por isso, uma omnipresença nos vários contextos do seu quotidiano.
Estes pescadores indonésios são movidos pelo sonho de proporcionar à sua família melhores condições de vida. Alguns vêm juntar dinheiro para se casar, construir casa ou amealhar dinheiro para estabelecer um pequeno negócio aquando do seu regresso. São também eles os novos agentes da transformação económica e social desta paisagem, cujo imaginário se encontra ainda muito associado à literatura e criação audiovisual do passado. Nelayan, apesar de ser um substantivo, define sobretudo uma acção, a de viver o presente como prólogo do futuro.
[Folha de Sala da exposição, com texto de Eduardo Martins]
Sem comentários:
Enviar um comentário