CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #71
Escola de Artes e Ofícios
120 Minutos | Maiores de 14 anos
27 Abr 2023| qui | 21:30
Mais uma grande noite Shortcutz Ovar. À enorme qualidade dos filmes exibidos – o que vem sendo uma constante na competição desta temporada -, juntou-se de novo a presença de um público entusiasta e conhecedor, fazendo da sessão um momento incontornável de festa e celebração do cinema curto português. Pondo de lado este aparte, a sessão #71 abriu com uma surpresa. Fora da competição, foi exibido “Janeiro”, (provavelmente) a primeira curta desenvolvida com recurso a Inteligência Artificial. Apesar de se encontrar disponível na plataforma youtube há cerca de três meses, o filme foi apresentado em sala pela primeira vez e contou com a presença do realizador, Bruno Carnide, o homem por detrás da ideia. “Nenhuma imagem foi capturada, desenhada ou modelada. Nenhum texto foi escrito ou gravado. Nenhuma música foi composta ou executada. O ser humano precisou apenas de fornecer as pistas e juntar as peças”, pode ler-se no início de um filme “que se fez a si mesmo em 24 horas”. Levar ao questionamento dos riscos que a supremacia da tecnologia sobre a criatividade acarreta, ou a frustração e os ressentimentos que a Inteligência Artificial pode gerar nos artistas, são aspectos nos quais importa atentar. Preparados para o que aí vem?
A competição abriu com “Sónia”, um documentário que bem poderia ser uma ficção. Através dele, Maria Moreira dá-nos a ver os bastidores do seu desporto de eleição, o badminton, acompanhando a campeã nacional Sónia Gonçalves e o seu trajecto com vista a garantir uma presença nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Em plena pandemia, a atleta ficou a três lugares da qualificação para os Jogos, teve de lidar com uma gravidez inesperada e o nascimento do filho, mas não desistiu nem desiste. No horizonte está Paris em 2024 e no presente acolhe um projecto lindíssimo em torno do badminton adaptado. Enquanto isso, vai gerindo a ambição de compatibilizar a sua condição de atleta, com a de estudante, trabalhadora e mãe. Se a vida, na figura de um recém-nascido, é um dos grandes vectores de “Sónia”, em “Palma” é a morte que emerge, carregando consigo a angústia e o sofrimento, mas também, paradoxalmente, uma enorme atracção, uma quase obsessão por aquilo que o além esconde. Sara (espantosa Mafalda Banquart) é uma jovem mulher que resiste a aceitar a morte da mãe e se deixa contaminar pelo peso de uma entidade que encerra o grande mistério da humanidade. Filme de época, “Palma” apoia-se num texto marcadamente romântico, quase “camiliano”, tirando partido do requinte dos espaços, da beleza dos planos, da subtileza dos pormenores e de uma estética apurada que o torna fascinante aos olhos do espectador.
Apresentar dois filmes a concurso numa mesma sessão do Shortcutz Ovar é algo praticamente inédito, mas que aconteceu ontem pela terceira vez em sete temporadas do certame. Mónica Santos foi a “reincidente” e o filme exibido, “O Casaco Rosa”, voltou a fechar a noite sob o signo do cinema de animação, tal como acontecera na sessão de Março com “Ice Merchants”, de João Gonzalez. Com uma estética muito própria ligada ao filme musical, o filme tem um cunho marcadamente político ao fazer incidir a história na figura de António Rosa Casaco, o homem que chefiou a brigada da PIDE responsável pelo assassínio do general Humberto Delgado no dia 13 de fevereiro de 1965, perto de Badajoz. Partindo das “façanhas” do torcionário fascista, Mónica Santos propõe-nos um “Casaco Rosa” que, no conforto doméstico, conspira e tortura, com recurso à linha e costura, contra os opositores do sistema. O ponto de partida terá sido um artigo de José Pedro Castanheira no jornal Expresso, mas o desenvolvimento do tema é absolutamente único e brilhante. De arma carregada, a realizadora não desperdiçou um único tiro. Aqui silenciam-se “amanhãs que cantam”, a censura, o saco azul e a cadeia são casas do “Monopólio”, a história acoita-se num livro com a lombada virada para dentro. Alfinetes, tesouras, ferros de engomar e bastidores são instrumentos de tortura. Os versos são de uma ironia avassaladora, o humor impera, mas nada é “a brincar”. Exibido dois dias após celebrarmos o 49º aniversário do 25 de Abril, “O Casaco Rosa” é a pedra de toque de uma democracia que se quer com memória. Um filme obrigatório!
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