CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #70
Escola de Artes e Ofícios
135 Minutos | Maiores de 14 anos
30 Mar 2023 | qui | 21:30
A noite de ontem foi de emoções na Escola de Artes e Ofícios. A 70ª sessão do Shortcutz Ovar trazia com ela a certeza de “Ice Merchants”, de João Gonzalez - a curta-metragem de animação que fez história ao tornar-se no primeiro filme português a concorrer directamente aos Óscares da Academia de Hollywood -, e esse terá sido o “gatilho” para que até os menos familiarizados com estas andanças corressem em busca de um ingresso. A sala encheu “que nem o Estádio da Luz em dia de jogo do Benfica”, de tal forma que, em matéria de sessões regulares do certame ovarense, esta terá batido todos os recordes de presença de público, transformando-se numa significativa jornada de celebração do cinema português. Mas o programador quis ir mais além, acrescentando à sessão dois filmes igualmente impactantes. Complemento perfeito a “Ice Merchants”, “Pê” de Margarida Vila-Nova e “Boca Cava Terra” de Luís Campos, protagonizaram momentos de grande intensidade e qualidade, chamando a si igual fatia de atenção, carinho e aplauso do público.
A paternidade e as questões a ela ligadas poderão ser entendidas como denominadores comuns das três obras apresentadas. A forma como as histórias convergem num ponto de transição entre um passado do qual já nada podemos esperar e um futuro que se abre em caminhos de mudança (e de esperança), oferece uma fortíssima unidade narrativa aos três filmes, tornando-os partes de um todo, simultaneamente sujeitos e complementos de um filme maior ao qual poderíamos chamar “Vida”. A quase ausência de diálogos compensada pela delicadeza de um gesto ou pela expressividade de um olhar, o papel da mãe “que-não-está-mas-está” e o seu legado na relação pai / filho(a) ou as memórias afectivas que um simples objecto pode despoletar, juntam-se ao cuidado, sensibilidade e subtileza na arte de contar uma história, dificultando a tarefa de dissociar ou distinguir um filme dos outros. Prova disto é a hesitação e a inquietação que me acometeram na hora de atribuir uma nota aos filmes da sessão.
A carga emocional que se desprende do olhar da pequena Alice Patrocínio é o grande trunfo de “Boca Cava Terra”, filme de Luís Campos que abriu a sessão. Como frisou uma espectadora, a menina “sem dizer nada, diz tudo”, cavando com o olhar as diferenças nas relações de género, nas ligações afectivas, no corte entre passado e futuro. “Pê”, filme de estreia de Margarida Vila-Nova enquanto realizadora, vive também de um desempenho enorme, no caso de Adriano Luz no papel de um homem que enfrenta um cancro e vê o fim aproximar-se. Com uma tremenda carga autobiográfica, o filme baseia-se numa carta de catorze páginas deixada em jeito de despedida e representa uma emotiva homenagem de uma filha ao seu pai. “Ice Merchants” fechou a sessão da melhor forma, mostrando o porquê de ser um dos cinco eleitos da Academia para disputar o prémio de Melhor Curta-Metragem de Animação. A uma história muito simples - a de um homem e do seu filho que, “da sua casa fria e vertiginosa presa no alto de um precipício”, saltam todos os dias de pára-quedas para irem à aldeia vender gelo -, junta-se a beleza da animação, tornando o filme numa fábula que nos vem dizer que há coisas que julgávamos perdidas mas que, no momento certo, se tornam presentes para nos amparar. Um filme - e uma sessão - de se lhe tirar o chapéu.
Perfeito 👍
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