CONCERTO: Pedro Abrunhosa
Festival Montepio Às Vezes o Amor
Teatro Municipal de Vila do Conde
11 Fev 2023 | sab | 21:30
Começou por clamar “A.M.O.R.” e terminou de forma imperativa: “Ilumina-me”! Foi assim o concerto de Pedro Abrunhosa em dose dupla, num Teatro Municipal de Vila do Conde esgotadíssimo e com um público completamente rendido ao carisma do artista e à qualidade da sua música e da sua poesia. Sem o suporte do Comité Caviar, apenas com Bruno Macedo na guitarra e Miguel Barros no baixo, Pedro Abrunhosa quis fazer deste um concerto intimista, distante q.b. dos ambientes festivos, que privilegiasse a palavra e honrasse a literatura. Despojados das melodias habituais, os poemas ganharam novos significados, tornaram-se expressivos. Encontraram amarras onde soltar-se era a regra, deram-se os braços na noite escura, deixaram tanto de si uns nos outros e fizeram o que ainda não foi feito. E no fim, exaustos mas felizes, gritaram “não posso mais”.
“Podes pedir ao meu Deus que eu peço ao teu / Que nos dê a paz e a luz e a vida que nenhum ódio venceu”. Este Deus chamado “A.M.O.R” permaneceu em palco ao longo das mais de duas horas que durou o concerto. Pedro Abrunhosa assim o quis, lançando um constante apelo à tolerância e à união, à harmonia e à concórdia, e envolvendo os presentes num ambiente de paz e espiritualidade. Com “Momento”, do álbum homónimo de 2002, a ideia de reinterpretação surgiu particularmente vincada, o tempo mais asas ainda, o mundo ainda mais momento. Os ambientes noturnos tomam conta dos poemas. “Que o amor te salve nesta noite escura” abraça uma Ucrânia mergulhada no sofrimento e na dor, “Deixas em mim tanto de ti” e “Balada de Gisberta” trazem consigo “a dor da gente”, tal como “É sempre escuro antes de amanhecer”, tema ainda não editado em disco e que contou com um longuíssimo e extraordinário solo de Bruno Macedo.
Já com Miguel Barros em palco, chegou a hora de dizer que “é preciso ter calma.” Soltam-se do piano breves notas enquanto a voz entoa o poema: “Longe ou perto / Tudo é deserto / Tudo é montanha que te arranha a alma / Com fúria, com calma / É preciso ter calma / Não dar o corpo pela alma.” O silêncio espalha-se, espesso. A guitarra desfaz-se em acordes, uma pandeireta vibra, o baixo é contrabaixo. O jazz é aqui. “Se eu fosse um dia o teu olhar” fez com que a plateia começasse a agitar, mas foi “Pontes entre Nós” – “E eu, e tu, / Perdidos e sós, / Amantes distantes, / Que nunca caiam as pontes entre nós” – que estabeleceu a ponte com o público e fez com que as vozes se erguessem sinceras, emotivas, cúmplices e livres. Como resistir ao grito de “Fazer o que ainda não foi feito”? Como não ir quando te dizem “Vem ter comigo aos Aliados”?
“Hallelujah” homenageou Leonard Cohen, “Encosta-te a mim” foi um abraço a Jorge Palma e “The house of the rising sun” lembrou os The Animals. “Socorro” (“estou a apaixonar-me / é impossível resistir a tanto charme”) e “Ilumina-me” fecharam um alinhamento que foi, em si mesmo, uma revisitação de praticamente todos os álbuns de estúdio de Pedro Abrunhosa, de “Viagens”, um trabalho de 1994, a “Espiritual”, um disco que está quase a fazer cinco anos. De pé, num estrondoso aplauso, o público reclamou o “encore”, oferecido com generosidade sob a forma de quatro músicas extra, todas elas partilhadas com calor e emoção. “Eu não sei quem te perdeu” e “Para os Braços da minha mãe” diziam que o concerto estava a chegar ao fim e, com elas, veio essa sensação antagónica da saudade que já se faz sentir, mesclada com a felicidade dos momentos únicos. “Lua” é cantada como uma prece, “eu quero ver o teu brilhar”. “Tudo o que eu te dou” é a certeza. “Deixa-me voar, cantar, adormecer”.
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