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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

CINEMA: "Tori e Lokita"



CINEMA: “Tori e Lokita” / “Tori et Lokita”
Realização | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Argumento | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Fotografia | Benoît Dervaux
Montagem | Marie-Hélène Dozo
Interpretação | Pablo Schils, Joely Mbundu, Alban Ukaj, Tijmen Govaerts, Charlotte De Bruyne, Nadège Ouedraogo, Marc Zinga, Claire Bodson, Annette Closset, Thomas Doret, Ngindu Tshimpanga Dieudonné, Amel Benaïssa, Leonardo Raco, Baptiste Sornin, Aloula Watel
Produção | Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd, Delphine Tomson
Bélgica, França | 2022 | Drama | 88 Minutos | Maiores de 14
Cinema Vida
13 Fev 2023 | seg | 16:00


As políticas de migração foram um dos temas em destaque na recente cimeira que reuniu os líderes da União Europeia em Bruxelas. Defender os interesses nacionais e reforçar as fronteiras externas dos 27 parecem ser as linhas de força de uma política comum tendente a transformar a Europa, no mais curto espaço de tempo, num espaço-fortaleza. Mas se isto é visto com preocupação por muitos, são cada vez mais os que juntam a sua voz à daqueles que fazem tábua rasa da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade, valores que a própria Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra. É a esses que “Tori e Lokita”, o mais recente filme de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, se dirige. É para eles que estas duas crianças, recém-chegadas do Benim, viram o dedo acusador, clamando que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

“Tori e Lokita” é um filme essencial ao mostrar que a solução não passa por continuar a erguer muros ou reforçar os já existentes. É um regresso em grande dos irmãos Dardenne, insurgindo-se contra as injustiça sociais e denunciando o percurso ultrajante e iníquo que os migrantes, africanos ou outros, são obrigados a enfrentar em busca de asilo na Europa. Recorrendo com frequência aos planos detalhados, à semelhança do que acontece em algumas das suas obras anteriores, Jean-Pierre e Luc Dardenne colam o espectador às figuras dos adolescentes que evoluem na tela, tornando-o cúmplice da acção. Deste ponto de vista, “Tori e Lokita” é um filme pesado, um verdadeiro murro no estômago, cruzando a ineficácia de sistemas de acolhimento sob o espartilho da lei e da ordem, com a impunidade daqueles que sabem tirar partido das fragilidades do sistema e desenvolvem um conjunto de actividades ilícitas onde avulta o completo desprezo pela pessoa humana.

Num filme com esta dimensão, avultam as interpretações de Pablo Schils e Joely Mbundu, respectivamente Tori e Lokita, dois jovens actores não profissionais que emprestam ao filme a verdade que lhe é fundamental. A incógnita que sobre eles paira ao longo do filme é alicerçada nos seus desempenhos, criando com o espectador uma forte empatia. A mensagem de amizade e de solidariedade torna-se primordial, realçando a entrega quase sacrificial nesta luta pela sobrevivência. O sentimento de perigo iminente é palpável. Como é palpável a crueldade exercida por quem se aproveita das circunstâncias e faz disso um modo de vida. “Tori e Lokita” é um grito de revolta contra a situação de tantos seres humanos, confrontados com um destino que não escolheram e sujeitos às mais indignas condições e a toda a sorte de adversidades. Um filme que é também o testemunho de um presente que parece nada ter aprendido com o passado e que compromete irremediavelmente o próprio futuro.

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