Quando, em 1997, Stacey Kent lançou “Close Your Eyes”, o seu primeiro álbum a solo, uma nova estrela do jazz acabava de nascer. A crítica desfez-se em elogios à sua voz cristalina, à sua presença cativante e ao seu modo sofisticado de tratar temas das mais variadas proveniências. Vinte e cinco anos e quase outros tantos álbuns depois, a cantora continua a deslumbrar plateias, dando a ouvir músicas mil vezes escutadas como se fora a primeira vez. O encontro com o público na Casa da Música veio confirmá-la como uma artista de excepção. Na apresentação do seu mais recente trabalho, “Songs From Other Places”, o concerto foi, todo ele, um primor de sensibilidade e delicadeza, com Art Hirahara (piano) e Jim Tomlinson (saxofone, flauta transversal e percussões) a acompanharem prodigiosamente a cantora. A isto acresce o cuidado e atenção de Stacey Kent em falar ao público em português, comentando o que havia para comentar, corrigindo-se quando percebia um ou outro erro e tornando cada momento de pausa numa verdadeira delícia.
Tema de abertura do concerto, “Tango in Macao” agarrou o público graças ao charme da música composta por Jim Tomlinson e à ironia de uma letra com assinatura do Nobel da Literatura em 2017, Kazuo Ishiguro. De seguida escutámos “Dindi”, a canção de António Carlos Jobim que é uma fusão de Jazz e Bossa Nova e que Stacey Kent interpretou de forma magistral. Ao encontro de Andy Williams e do trabalho que dedicou à cidade-luz no ano de 1960, a cantora trouxe-nos “Under Paris Skies” e então dirigiu ao público as primeiras palavras, juntando o prazer de voltar aos palcos de forma presencial à gratidão por ver uma casa cheia a aplaudi-la. A dupla Tomlinson / Ishiguro esteve uma vez mais em destaque com “I Wish I Could Go Travelling Again”, primeira faixa do novíssimo álbum da cantora, seguindo-se esse clássico dos clássicos que é “Bésame Mucho”, numa versão que Stacey Kent aprendeu com João Gilberto, um músico particularmente querido que lhe abriu horizontes musicais inimagináveis e que levaram a cantora a afirmar: “Ele é tudo para mim!”
Ao álbum “The Changing Lights” (2013) foi a cantora buscar “Waiter. Oh Waiter”, mais um tema de Tomlinson e Ishiguro, seguindo-se nova incursão no universo de Jobim com “Bonita”. “Alfie”, a música que Burt Bacharach compôs para o filme com o mesmo nome antecedeu “Blackbird”, canção icónica da fase final dos “Beatles” escrita pela dupla Lennon / McCartney e que, nesta versão, conta com arranjos de Art Hirahara e com um trabalho de piano incrível. O concerto caminha para o final e “Avec Le Temps”, de Léo Ferré, foi outro dos grandes momentos da noite, a cantora a dedicá-la, num francês escorreito, à memória do seu avô. As duas últimas canções do alinhamento trouxeram Jobim de novo, primeiro com “Imagina” e logo de seguida com “Águas de Março”, que Stacey Kent e Jim Tomlinson cantaram na perfeição, como se de Tom e Elis se tratasse. O “encore” foi preenchido com a versão instrumental de “O Bêbado e a Equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco, colado ao eterno “Smile”, um tema de Chaplin inspirado na “Tosca” de Puccini e que o realizador usou no filme “Tempos Modernos”. O final perfeito de uma noite inesquecível.
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